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Em dezembro de 1974, quando tinha 17 anos, embarquei em um trem rumo a Corumbá. Tinha aí o início da mais marcante de minhas viagens, um mês entre Bolívia e Peru. De uma certa forma, tudo o que veio depois foi consequência desta primeira viagem ao exterior. Esta viagem foi uma grande coleção de primeiros...primeira vez que vi uma montanha nevada, primeira vez que convivi com jovens europeus que viajavam por um longo tempo pelo mundo, primeira vez que fiz um trekking, primeira vez que tive de me virar em outra língua...
Apesar dos 40 anos que me separam deste mês deslumbrante ainda me lembro com extrema clareza de cada momento desta viagem, do trem da morte, de chegar de trem em La Paz, de ver as águas turquesas do Titicada, de ver Machu Pichu sem qualquer outra alma ao meu redor. A intensidade do que senti nesta viagem nunca mais foi repetida nesses 25 anos que viajo sem parar. Com o passar do tempo fui ficando cada vez mais exigente no que se refere a me emocionar com uma viagem. E, comparado com o que senti em 79, grande parte de minhas experiências empalidecem e isso me faz buscar cada vez mais experiências intensas, lugares inóspitos e inexplorados procurando reviver o que senti na Bolívia e Peru.
Outra consequência desta viagem foi a grande carinho que tenho até hoje pela Bolívia e que me faz voltar e voltar a este país de natureza tão espetacular e variada e de gente hospitaleira. Desde então já tinha voltado à Bolívia sete outras vezes, a última há seis anos atrás. Estava na hora de retornar.
No começo de maio deste ano eu e a Fabiana embarcamos para La Paz com dois planos. Primeiro viajar um pouco pelo país, era a primeira viagem da Fabi à Bolívia, e depois seguir para as montanhas para escalar na Cordillera Real.
Por dois dias caminhamos e nos perdemos pelas ruelas da parte antiga de La Paz. Em um mundo cada vez mais pasteurizado e previsível a Bolívia ainda surpreende o visitante com a presença de uma cultura viva e preservada, um país onde grande parte da população é de quéchuas e aymaras, onde esses idiomas incas e pré-incas ainda são falados no dia a dia e onde a população, principalmente as mulheres, ainda se veste de forma tradicional.
Seguimos então para Potosi, uma linda cidade colonial que na metade do século 17 era a maior cidade da América do Sul, com uma população maior do que a de Londres na época. A fonte desta prosperidade era uma única montanha: Cerro Rico!
O nome da montanha em quéchua - Sumaq Urqu - significa Serra Bonita, e se destaca no horizonte da cidade com sua forma piramidal com seu cume a 4800 metros acima do nível do mar. O nome em espanhol - Cerro Rico - é mais explícito. A prata retirada desta montanha fez a riqueza da Espanha dos tempos coloniais. Apesar do nível de pureza do mineral que é extraído hoje ser muito mais baixo do que dos tempos gloriosos de Potosi, os mineiros continuam trabalhando nas muitas minas que existem na montanha e, para mim, uma visita a uma delas é um dos pontos altos de qualquer visita á Bolívia. Mas, não é uma experiência fácil nem do ponto de vista físico e muito menos emocionalmente. A mina em grande parte é trabalhada da mesma forma que séculos atrás e as condições de trabalho são inimagináveis. Nos mais de 40 andares cavados na montanha trabalham milhares de mineiros que sonham com o ilusório enriquecimento rápido que achar um grande veio proporciona. O preço deste sonho porém é muito caro. A sobrevida nas minas de Potosi é de, em média, dez anos. O trabalho físico extremamente duro com temperaturas extremas de frio e calor, os frequentes desabamentos e o pior, os problemas pulmonares causados pela constante inalação de um ar saturado de poeira fez com que a riqueza fique como apenas um sonho.
Seguimos então para Sud Lipez, na minha opinião uma das mais lindas regiões do mundo. Por quatro dias percorremos ao redor de 900 quilômetros em um 4x4 passando por paisagens de sonho. Lagoas de águas azuis, verdes e de coloração avermelhada, flamingos cor de rosa, gêiseres, lagos de lama borbulhante, uma área desértica apelidada de deserto de Salvador Dali por suas bizarras formações rochosas e finalmente o fantástico Salar de Uyuni que com 150 por 100 quilômetros de extensão é o maior depósito de sal do planeta. Toda esta região é um dos lugares mais remotos do planeta e o preço para conhece-la é bastante desconforto, muito frio, muitas horas dentro de um carro, mas tudo isso é mais do que recompensado por uma paisagem maravilhosa!
Estávamos prontos para as montanhas...mas isso fica para a próxima! |