O que faz com que eu me apaixone por um país ou por uma montanha? Acho que a resposta mais importante são os sorrisos. Claro, a beleza da paisagem, o desafio da escalada, o clima e mais um monte de pequenas outras razões, tudo faz com que a experiência em algum lugar seja vista como especial. Mas, o que realmente me conquista são os sorrisos. E em poucos outros lugares isto se manifesta de forma tão intensa como na Tanzânia. Chego no aeroporto e sou recebido por uma de meus guias locais, o Issa, que compensa com sua baixa estatura com um dos maiores sorrisos que conheço, um sorriso que vem da alma e não só do rosto e no qual posso ler sua completa sinceridade, sua felicidade em rever-me após um ano, quando escalei o Kilimanjaro pela última vez. A mesma experiência acontece quando chego ao hotel e revejo os funcionários que me recebem lembrando o meu nome e também nos próximos 20 dias que fico no país. A vida na Tanzânia é dura, muito dura. É um dos países mais pobres do mundo com uma expectativa de vida de apenas 53 anos em parte devido ao grande número de mortes por AIDS, mas também causado pela extrema pobreza. Apesar disso, por onde ando vejo pessoas alegres e receptivas. A caminho do Kilimanjaro com meu primeiro grupo este mês (em agosto guiei dois grupos na montanha) paramos em uma escola onde umas 100 crianças brincavam no pátio de terra batida poeirenta com uma bola de pano. Conosco estava o fotógrafo Caio Vilela que atualmente trabalha em um projeto de fotografar futebol de rua pelo mundo e que prontamente presenteou as crianças com uma bola de futebol. Mesmo antes do presente, já fomos cercados por dezenas de crianças sorridentes que estavam tão interessadas na novidade de nossa presença quanto nós neles. A partida que se seguiu foi uma das coisas mais lindas que tivemos na viagem. Em seguida paramos em um colorido mercado local e mais uma vez a receptividade das pessoas nos emocionou.
Mas, claro, além dos sorrisos tivemos o Kilimanjaro e apesar de termos duas experiências muito diferentes, ambas me proporcionaram muita alegria. Mais uma vez tivemos 100% de pessoas no cume da mais alta montanha do continente africano. Na primeira escalada o tempo estava estranhamente ruim, mas como nos últimos anos não existem mais épocas de seca e de chuvas tão pronunciadas como tínhamos há alguns anos atrás em nenhuma parte do planeta, não cheguei a estranhar. Subimos por 5 dias acompanhados por uma forte neblina que cobria completamente a visão do nosso objetivo. Timidamente o Kilimanjaro se escondia e se mostrava apenas por pequenas janelas por entre nuvens escuras e apenas uma pequena parte de cada vez. Com apreensão chegamos ao School Hut, nosso pequeno abrigo a 4700 metros já na encosta norte da montanha. O frio estava intenso às 3 da tarde quando fomos descansar para a longa noite que tínhamos a frente. Não consegui dormir nada e de tempos em tempos abria o zíper de minha barraca e com muita felicidade via que o céu estava estrelado e não ventava, mas o chão estava coberto de 3 cm de neve fresca que tinha caído nesta tarde. As 23:30 horas estávamos prontos para iniciar a longa subida de 1100 metros rumo ao cume. Saímos em uma longa fila de lanternas, mas após poucos minutos percebemos que elas eram desnecessárias, a imensa lua cheia refletindo na neve nos dava luz mais do que o necessário para caminhar com segurança. Caminhar sobre a neve teve duas conseqüências opostas. Muito frio nos pés, mas muito mais aderência já que sem ela estaríamos caminhando sobre pequenas pedras escorregadias. Aos poucos o grupo que até então tinha sido bastante homogêneo em sua velocidade começou a se espalhar, mas como temos um guia para cada dois clientes e rádios para comunicação não me preocupei. E todos, apesar de cansados, continuavam subindo rumo aos seus sonhos. E o esforço foi plenamente recompensado com um dos nasceres de sol mais lindos que já presenciei: aos poucos a suave luz da lua cheia refletida na neve ia dando lugar ao vermelhos quentes da luz solar que despontava em um degrade de rosas e vermelhos no lado oposto do horizonte. Estávamos no cume da África quando a lua nos deixou.
Após apenas dois dias de descanso em Moshi chegou meu segundo grupo, 13 pessoas de diferentes partes do Brasil que como acontece com todos os grupos, após poucas horas de convívio já eram um grupo animado de amigos buscando a mesma coisa, o desafio de chegar ao topo do Kilimanjaro. No segundo grupo o Kilimanjaro nos acompanhou durante toda a escalada com o sol brilhando 12 horas por dia. Não podia acreditar em uma mudança tão intensa em apenas poucos dias. A lua aparecia apenas no meio da noite e cada vez menor. O frio também estava muito menor e caminhávamos com freqüência de camiseta e ao chegarmos nas partes mais altas da montanha com um fleece fino. Mais uma vez nosso programa de aclimatação foi eficiente e ninguém teve uma dor de cabeça sequer. Acordamos as 22:45 com um céu com bilhões de estrelas, escuro como breu e as 23:30 já estávamos caminhando no forte zig zag rumo a um cume que não enxergávamos e que estava à muitas horas de distância. As 5 da manhã uma casquinha de lua nasceu no horizonte flutuando sobre uma pequena camada de nuvens que ora a escondia ora a deixava repousando sobre ela. O grupo da frente já estava trilhando os 2 quilômetros que separam a chegada na cratera ao cume verdadeiro e o grupo de trás que eu acompanhava tentando estimular para continuar apesar do cansaço extremo que lia em suas feições estava na subida final rumo a borda. Ao chegarmos no Gilman’s Point a 5680 metros vimos o fundo da cratera e podemos avistar o cume verdadeiro. Pensei que eles todos fossem para ali já que este ponto pode ser considerado como o cume, mas para minha surpresa todos quiseram continuar e com um esforço extremo buscaram dentro de si as últimas reservas que os levaria até os 5895 metros do Uhuru como o cume é chamado. As 8 horas estávamos todos no cume celebrando a vitória da perseverança e os sorrisos se misturavam com os soluços.
Durante ambas subidas sob a luz da lua cheia ou das estrelas meditava em como gosto desta vida que levo onde faço exatamente o que amo enquanto trabalho e também nos meses em que estou de férias realizando meus projetos pessoais como o Everest ou simplesmente viajando por lugares fascinantes. Claro que para isso tenho de abrir mão de inúmeras coisas que um dia já foram muito importantes para mim. Hoje, prestes a comemorar 23 anos de viagens ininterruptas, 23 anos de estrada, mais uma vez vejo o quanto esta opção foi acertada para mim. As escolhas, cada uma delas, me levou a ter de abrir mão de algo, amizades, conforto, dinheiro, mas estar ali, caminhando lentamente rumo a mais um cume, ajudando as pessoas que com o passar dos dias se tornam amigos queridos, justifica cada uma das “perdas”.
Com estas duas viagens encerro meu período de trabalho este ano. Meu próximo grupo será em março de 2012, daqui há sete meses. Este período foi dedicado a preparação, execução e conclusão do projeto Brasil ao Pólo Sul que está seriamente ameaçado de cancelamento por falta de patrocínio. O luto é imenso, e se realmente for cancelado ainda não sei o que farei nesses meses todos. Muita energia foi colocada neste sonho. Por mais de um ano não passei um dia sem de alguma forma pensar em como seria estar lá na imensa solidão do mais remoto ponto da Terra, em como seria arrastar 130 kg pelas condições mais duras que o planeta pode oferecer. Como reagiria a monotonia das imensas, intermináveis planícies geladas da Antártica a temperaturas impensáveis sob os ventos mais inclementes da Terra. Os superlativos não terminam. E, no entanto, era exatamente isso que eu queria estar fazendo em dezembro e janeiro próximos. As dificuldades nunca me intimidaram, eu buscava isso embora não consiga de forma algum explicar o porque. E agora, talvez nada disso acontecerá... Após esta experiência não creio que tenha energia novamente para buscar patrocínios novamente. Este planeta esta cheio de montanhas lindas para escalar e para elas irei em projetos que possa me auto financiar. Ainda não sei de onde estarei escrevendo o próximo boletim. Imagino algum lugar frio e alto....
Atualização....entre ter escrito o boletim acima e hoje quando o coloco no ar, tomei a decisão do que farei. Conversei com cada um dos amigos que adotaram um ou mais quilômetros para a expedição ao pólo e lhes propus que transferissem o dinheiro do apoio para que eu escalasse o Vinson, a mais alta montanha da Antártica e com isso completasse meus Sete Cumes, a escalada da montanha mais alta de cada continente. Todos eles sem exceção concordaram e com isso, embora a quantia ainda não cubra a total desta expedição que chega aos US 37.000, irei dia primeiro de dezembro para a Antártica com planos (se o tempo permitir) de estar no cume do Vinson ao redor do dia em que Amundsen chegou no pólo sul cem anos atrás. Gostaria de agradecer de coração a todos que adotaram esses quilômetros:
Minoru Wakabayashi 900
Luis Antonio Felber 300
Cesar Mikail 300
Roberto Teperman 300
Heitor Stefanoni 300
Fernando Rocco 900
Denis Siebert 300
Eduardo Martins 6000
Joao Paulo Moraes 300
Luisa Nunes 300
Beto Marques 300
"Maria Konishi 1800
Suely Medaglia 300
Jasmin Franchini 300
Camila Raso 300
Lyss Zangaro 300
Sonia Bridi 1800
Juarez Gustavo Pascoal Soares 6000
Roberto Stickel 900
Cristiane de Rodrigues Coelho 300
Lirian Breitemback 300
Butti, Luiz A 1500
Naira Morgado 300
Temi Costa 300
João Batista Souza 6000
Jose Pilli Filho 600
Lisete Florenzano 900
Carlos Sacramento 600
luiz henrique goes 300
Tatiana Batalha Cunha dos Santos 300
Adherbal Santos Acquati Acquati 600
Pisa trekkking 1500
Ana Maria Aratangy Pluciennik 900
O programa de adoção continua funcionando ao adotar um km (que não é mais um quilômetro já que agora é uma escalada, você ganha um ingresso a uma palestra que farei em março sobre a escalada dos sete cumes. |