Para mim, chegar no Nepal a cada vez é uma experiência agradável, não importa quantas vezes eu já tenha vindo aqui. Mesmo com o caos, com o barulho, com a falta de luz 12 horas por dia (não é exagero!, todos os dias ficamos sem eletricidade 12 horas) eu amo esse lugar e chegar aqui toca o meu coração. Esta chegada foi ainda mais especial, pois são os últimos dias antes da minha tão sonhada escalada ao Everest.
Após dois dias nos organizando partimos para um pequeno trek com que venho sonhando há muitos anos. As motivações para fazê-lo são três: visitar os vilarejos onde vivem nossos amigos sherpas que trabalham conosco há muitos anos, fazer nosso último trek de treino antes da escalada e finalmente, mas mais importante do que tudo, desenvolver um projeto de ajuda comunitária para um vilarejo carente e conseguir uma escola que tenha interesse em abraçar este projeto e enviar jovens para ter esta experiência e patrocinar o projeto.
O vôo para a pequena pista de pouso não pavimentada de Pha Phlu na região do Solu ao sul do Everest foi, um tanto nervoso, mas extremamente bonito com vistas magníficas das montanhas. De lá caminhamos dois dias para a pequena vila de Tapting, caso do Dorje, que trabalha conosco como sherpa há sete anos. O vilarejo se espalha verticalmente por mais de 250 metros com a escola próximo ao rio no fundo do vale e as casas mais altas no topo da montanha. Cada casa é rodeada de campos plantados com batata, cevada, ervilha e trigo e a economia é basicamente de subsistência suplementada pelo trabalho com trekkings na primavera e outono. Tapting fica fora da rota de trekkings e com isso não se beneficia do turismo, uma das únicas fontes de renda no Nepal. Nossa primeira providência ao chegar foi conversar com os líderes do povoado e ver deles o que é que necessitam com mais urgência. Com isso procuramos não cometer o erro tão frequente entre projetos de ajuda que é trazer idéias pré concebidas do que o lugar necessita. E eles nos contaram que mais do que tudo necessitam de um novo sistema de captação de água potável já que o que tem a fonte está secando e durante a época de chuvas se contamina causando doenças.
Por dois dias conversamos com várias pessoas, visitamos os dois tanques de agua que existem agora e fizemos um cálculo de custo do projeto. Saímos de lá com uma idéia pronto, um custo de US 3000 e muita vontade de fazer isso funcionar. Ler os livros do greg Mortisson "Três Chicaras de Chá" e o novo Stones into Schools" nos inspirou muito e temos muita vontade de devolver ao Nepal e aos nepaleses o muito que eles nos deram.
De Tapting caminhamos outros 4 dias até chegar a Estrada mais próxima de onde um ônibus nos levou de volta a Katmandu. Durante esses dias de caminhada tivemos vistas ainda mais espetaculares do que no vôo. Como esta região está mais ao sul do que as trilhas que percorremos na região do Everest as vistas das montanhas são mais distantes, mas em compensação muito mais panorâmicas com 400 quilômetros de cordillheira. De suas cristas vimos Everest, Lhotse, Nuptse com muita clareza e até o Kanchenjunga, a terceira mais alta montanha do planeta, a distância a mais de 200 quilômetros no extreme leste do país. Os vilarejos que passamos eram semelhantes a Tapting, com população mixta de Sherpas e Tamangs, poucos recursos e gente muito simpática.
Chegamos em Katmandu exaustos pela longa viagem de ônibus local, mas felizes pelo que atingimos nesses poucos dias. Agora é ver no Brasil se encontramos o mesmo entusiasmo para que o projeto aconteça.
Escrevo este relato após 5 dias caóticos em Katmandu. Os preparativos para a escalada estão todos completes. Estamos fortes, determinados, preparados física, emocional e espiritualmente para adentrar a moradia da Myiolongsangma, a deusa que habita o Monte Everest de acordo com a crença Sherpa. O que não estamos prontos é para ficar mais de dois meses com contato limitado. Nesses dias estivemos trabalhando 12 horas por dia, mas muito ainda necessita ser feito. Por sorte ainda temos 3 dias inteiros antes que o grupo que iremos guiar ao campo base do Everest chegue. Mas, não importa o quanto façamos, tenho certeza de que no último minuto antes de embarcar ainda estaremos na internet. A partir daí é relaxar e sentir que o que foi possível fazer foi feito e dedicar toda nossa energia para o que virá, a realização do grande sonho. |