Treinando para o Cho Oyu
da redação, Texto: Lisete Florenzano
2 de agosto de 2013 - 19:25
 
 
 
  • Foto: Divulga��o
    Treino puxando dois pneus. Foto: Divulga��o
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    Campus Board e esteira com mochila. " Foto: Divulga��o
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    Escada normal e escada subindo de lado (simulando a cramponagem francesa). " Foto: Divulga��o
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    Treino com a equipe Papa Trilhas de Botucatu. " Foto: Divulga��o
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    Treino na Serra. " Foto: Divulga��o
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Treino puxando dois pneus. Foto: Divulgação

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Olá amigos!

Agora falta pouco para começar a expedição ao Cho Oyu! Dia 25 de agosto sairemos (eu e Agnaldo) do Brasil rumo a Katmandu, Nepal, para encontrar com o restante do pessoal. Claro, a ansiedade está aumentando, assim como as expectativas sobre a escalada. Mas estou confiante de que vai dar tudo certo... Não importa tanto o cume. O importante é fazer uma boa escalada e chegar inteira de volta ao Brasil. Mas é claro que quero o cume!!!

Muita gente me pergunta sobre meu treinamento nestes meses, como preparação para a escalada. Assim, resolvi escrever este post sobre isso.

Mas desde já alerto a todos os leitores:

“Não tentem fazer este treinamento por conta própria. Tenham sempre um profissional qualificado para dar um treinamento que se encaixe às suas necessidades e ao seu corpo.”
Este treinamento me foi passado pelo personal trainer de São Paulo, Ricardo Lima, que é especialista em preparar pessoas para encarar a escalada de montanhas.

A idéia era melhorar meu condicionamento em 6 meses, para aguentar a escalada de uma montanha de 8.000m. Eu já estava com um bom condicionamento, resultado de dois anos e meio voltados totalmente às montanhas, fazendo trekkings e escaladas. Assim, tivemos duas fases: a primeira, um fortalecimento geral do corpo e trabalho aeróbico com carga (mochila pesada); a segunda fase teve ênfase no aumento de cargas, trabalho de explosão e resistência. Tudo isso para criar uma boa base física, chave para uma boa performance na hora do “rock’n roll” de verdade.


FASE 1: Assim, minha rotina na primeira fase foi:

Dia 1 e dia 4
- yoga;
- esteira inclinada (começando com 7% e aumentando semanalmente até 11% com picos de 15%) com mochila pesada (comecei com 12 kg e também aumentei a cada 10 dias o peso, até chegar em 19 kg) por uma hora;
- tranport, muito rápido (parece um trotinho) por 20 min;
- musculação para membros inferiores e abdominais (praticamente só exercícios funcionais, onde não uso dos aparelhos tradicionais de musculação, mas sim bolas, elásticos, etc).


Dia 2 e dia 5
- yoga;
- escada: subir e descer 13 andares com a mesma mochila usada na esteira, por 1h em ritmo tranquilo;
- musculação para membros superiores, costas e cinturão (também usando exercícios funcionais).


Dia 3
- Pilates.

Sábado
- descanso.

Domingo
- caminhada outdoor ou bike (treino mais longo).


Os exercícios funcionais acabam trabalhando mais grupos musculares ao mesmo tempo, quando comparado aos aparelhos de musculação tradicionais. Além disso, meu objetivo não era hipertrofia muscular. Achei que dão um resultado muito bom.
 

Percebi nessa primeira fase que eu estava ficando muito cansada ao longo da semana. Conversando com alguns profissionais da área, me sugeriram suplementar minha alimentação com proteína. Não sou vegetariana, mas mesmo assim resolvi experimentar e o resultado foi muito ótimo. Já não sentia aquela fome animal depois dos treinos, e percebi que esse desgaste e cansaço melhoraram muito, o que possibilitou que eu levasse os treinos na mesma intensidade, todos os dias.

Depois de alguns meses, um dia bateu um pânico: será que estarei preparada o suficiente? Será que estou treinando corretamente? Será que não preciso de mais? Imagino que essas perguntas sempre venham na cabeça de atletas com algum objetivo claro à frente. Mas olha, se não fosse o Ricardo pra me tranquilizar, acho que tinha surtado... rs.


FASE 2: Passamos então à 2ª fase do treinamento, para os ajustes finos.

Dia 1
- yoga;
- explosão no transport: depois de aquecer, dar o máximo de intensidade por alguns segundos, recuperação de alguns segundos, outro ciclo de explosão, recuperação, são 9 “tiros”, com o tempo de máxima intensidade aumentando a cada tiro, e o tempo de recuperação diminuindo. Três ciclos desses no treino, que ao todo dura 45 min. O objetivo é o trabalho muscular anaeróbico, isto é, com déficit de oxigênio (sim, usei frequencímetro para acompanhar a frequência cardíaca);
- musculação para membros inferiores: mesmo esquema, mas com aumento da carga e alternando treino de resistência em uma semana (peso menor e muita repetição) e treino de força na outra semana (muito peso e pouca repetição).


Dia 2
- yoga;
- escada normal (mochilão), ritmo tranquilo: 1h e aumentando esse tempo a cada semana. Variando a subida: subindo de lado (simulando a cramponagem francesa), de dois em dois degraus, normal;
- treino no campus board (fiz um em casa). É um treino super usado para escalada em rocha, que trabalha muito a musculatura das costas, braços abdominais, etc. Bem eficiente!
- musculação membros superiores (complementando o campus) e cinturão.


Dia 3
- pilates.

Dia 4
- yoga;
- caminhada no parque da cidade, com a mesma mochila do dia 2 (mesmo peso) num trajeto que tem subidas, descidas e parte plana. Pelo menos 1h30’;
- musculação membros inferiores.


Dia 5 (aqui o bicho pegou... rs)
- yoga;
- campus board;
- musculação membros superiores, etc;
- treino de explosão na escada (treino anaeróbico): com mochila mais leve (12 kg), sobe e desce os 13 andares como aquecimento. Depois, subida no máximo de intensidade, desce recuperando. Mais uma subida no máximo, desce recuperando... assim, por 5 ciclos (dá uns 30 min). Depois, mais 30 min em ritmo tranquilo, variando a subida (de lado, dois em dois, normal... ). Esse foi punk.


Sábado
- descanso.

Domingo
- caminhada outdoor, algumas com o pessoal do Papa Trilhas aqui de Botucatu, algumas sozinha. Mochilão (variando entre 16 a 19 kg), tempo variando entre 3h a 5h;
- na sequência, puxar 2 pneus de carro normal em um gramado (dá mais arrasto) num circuito com subidas e descidas.



Senti como o meu corpo se adaptou aos treinos. Incrível mesmo, o que no começo fazia muito cansada, hoje faço tranquilamente. Ao mesmo tempo, percebi os limites do meu corpo: não adianta, meus joelhos não aguentam muito mais que 19 kg na mochila. Assim, fui me adaptando ao treino mas sempre respeitando meu corpo. O pior que poderia me acontecer era uma lesão, já que isso impossibilitaria treinar e poderia por em jogo a escalada.

Descobri também que a descontração muscular (que consegui fazendo yoga e alongamentos) é fundamental para um trabalho físico mais pesado. Senão, a gente só tenciona a musculatura, o que acaba trazendo inflamações e outras lesões. Comecei com dores nos joelhos e ombros mas depois de fisioterapia e descontração, praticamente se resolveu. Fora que, às vezes estava com o corpo tão tencionado e “pilhado” que não conseguia dormir. E acordava um caco no dia seguinte. Tudo isso praticamente acabou depois que dei a importância devida ao relaxamento.

Perguntas que todos fazem: “Mas vc não treina corrida?” Não, não treino. É uma boa opção para melhorar condicionamento, mas usa músculos que não vou usar na escalada. E, mais do que isso, a condromalácea que tenho nos dois joelhos não me permitem.

Sempre gostei de atividades físicas pesadas, mas confesso que desta vez foi tudo muito diferente. Fazer algo com um objetivo muito claro à frente muda bastante a perspectiva dos treinamentos. Minha consciência corporal mudou muito nestes anos, mas aumentou ainda mais nestes meses já que meu foco no treinamento foi total. Comecei a lidar com o corpo de outra maneira: antes eu era muito mais “sargento”, impunha algo e cumpria não importando se tinha dor ou não. Agora, faço diferente: percebo os sinais e os respeito. Vou muito mais na “maciota”. Como resultado, me lesionei menos, compreendi que tenho meus limites (não sou super-herói que pode tudo, sem limites) e mesmo assim meu condicionamento e força aumentaram muito! Acho que muito mais do que antes, na minha fase “sargento”... rs. 

“Tudo é treino” é uma frase do amigo Juca, grande escalador em rocha, que eu adoro. Pois é isso mesmo: faz parte do treino o foco, a dedicação, a disciplina. Treinar com calor ou frio, perceber se o cansaço é real ou apenas sua cabeça tentando te enrolar, saber até onde ir e vontade, muita vontade em realizar o que se propôs. Tudo é treino!

Agradecimentos: Ricardo Lima (personal trainer), Equipe da Academia Iron, Viviane Aguiar (Pilates), Grupo Papa trilhas.