Desde que fiquei sabendo da catástrofe que aconteceu no Nepal, meu coração ficou extremamente angustiado. Acordei, tentei ligar pra todos os meus amigos, não consegui notícias ou contato com ninguém.
Depois de algumas horas, inconformada na frente do computador a ficha caiu! A mesma coisa que já havia me levado quatro vezes para os Himalaias também tinha causado esse massacre. O fato do Nepal se encontrar em cima da junção da placa eurasiana e indiana criou uma das cordilheiras mais lindas e a mais alta do mundo. Mas também faz com que um dos países mais pobres e subdesenvolvidos do sudeste asiático seja uma verdadeira panela de pressão.
A causa dos tremores na região é a junção das placas tectônicas da Índia e da Eurásia, que ficam sob a região do Himalaia. A placa tectônica indiana está se movendo para o norte, sob a placa tectônica da Eurásia, a uma taxa de 4,5 centímetros por ano, em um processo que é conhecido como “thrust fault” e é isto que cria a Cordilheira do Himalaia!
Considerado um dos países de maior atividade sísmica do planeta, esse não foi o primeiro grande terremoto presenciado pelo Nepal.
Sou médica, e sempre fui uma pessoa de fazer e não esperar acontece. Acredito que as oportunidades somos nós quem criamos! E que se o mundo não está da maneira que queremos, mais efetivo do que reclamar e lamentar é tentarmos fazer algo que comece a mudar o que nos incomoda.
Uma ligação e algumas horas mais tarde, estava fazendo as malas pra atuar como médica juntamente com outros quatro médicos que não conhecia. Pra mim o que importava era ajudar e fazer alguma diferença na vida dessas pessoas. O primeiro passo estava dado e sabíamos que a primeira equipe médica brasileira chegaria ao Nepal em 32 horas para trabalhar sob condições e circunstâncias extremas.
Meu amigo e parceiro de escalada, que em 2013 comemorou o cume da maior montanha do mundo comigo, Pemba Sherpa, finalmente deu sinais de vida no seu facebook. A foto dele acampando com a família e seus quatro filhos pequenos em meio aos tremores secundários era de cortar o coração, mas ao menos ele estava vivo e minha alegria era como se um amigo tivesse renascido.
Logo no aeroporto fomos recebidos de braços abertos pelo Pemba mas foi só ao chegarmos na base que conhecemos as pessoas e o grupo que chamaríamos de nosso pela próxima semana. Um casal de neozelandeses, o Malcom e a Sofie, donos de uma companhia de trekking e montanhismo que também opera no Nepal, estavam de férias a caminho da Malásia. Conectados ao país como eu, assim que ficaram sabendo do terremoto eles alteraram seu destino e propósito de férias. O Malcom, como nós, não tinha um plano, mas chegou no Nepal sabendo que precisava organizar algo pra ajudar aquelas pessoas.
Sofie nos mandou na primeira “missão” para região de Timbu, a 4 horas de onde estávamos em direção a Melamchi, nordeste de Katmandu. Seis horas e apenas 50 km para frente, chegávamos no que seria nosso acampamento base. Após o briefing do Malcom nossa equipe já estava pronta ao trabalho! Mas ficou claro que precisaríamos nos dividir. A maior necessidade era chegar a vilas que nem um carro especializado chegaria. Subir montanhas para fazer atendimento médico em áreas remotas! Quem será que ficou MEGA feliz com a notícia.
A ordem era clara: dois médicos e um Sherpa (local) deveriam se deslocar rapidamente e alcançar as quatro vilas que estavam 1.500m acima de Timbu. Sabíamos que tínhamos que ser auto-suficientes mas não tínhamos nenhuma certeza do que encontraríamos pela frente. Barraca, sacos de dormir, comida, água e um kit médico compacto, mas completo faziam parte da nossa bagagem.
Montanha acima e três horas depois chegamos no primeiro caso grave.
Uma senhora de mais de 60 anos ficou com uma das pernas embaixo de escombros e teve um afundamento de maxilar. A cultura local fez com que eles colocassem uma tala improvisada com várias madeiras sobre um emplastro de ervas que dificultou bastante a limpeza da ferida. A “tala” prendia a circulação de uma maneira perigosa e seu pé tinha uma coloração escura e edema importante. A ferida com ervas, claro, já estava infectada. Por conta de uma enorme dor na face ela não se alimentava há quatro dias. Devido à dor optamos por usar anestesia local para a limpeza dos ferimentos.
A uma altitude maior as temperaturas à noite caem drasticamente e essas pessoas não tinham suas roupas para o frio, então nos deparamos com problemas de vias aéreas superiores e inferiores e percebemos que nossa presença trouxe até um conforto físico para alguns, mas o conforto maior foi o psicológico, simplesmente de saberem que estavam sendo cuidados.
Já estávamos bem alto e a vista do vale era impressionante, mas ficaria ainda mais ao chegarmos em During. Onde uma senhora tinha uma fratura completa de tíbia. Apesar da dor intensa suas condições eram estáveis. Sem um raio x, uma sala de gesso adequada e já umas 7 horas montanha acima o melhor que pudemos fazer foi uma tala gessada, com anti-inflamatório e analgésicos se fosse preciso.
Nisso, anoiteceu e o frio era grande. Toda nossa atenção se voltou às pessoas que precisavam de nós e quando nos demos conta não tínhamos percebido que ganhamos 1.500m de elevação em apenas um dia. Totalmente não recomendado em medicina de montanha, mas era preciso. Por isso sempre dizem que nós médicos somos os piores pacientes! Faça o que falamos, mas não faça o que fazemos…
O Pemba não só nos ajudava com as injeções, medicações e curativos como também prontamente nos ajudou achando um lugar para montarmos nossa barraca, que aliás foi a mesma que eu e ele moramos por meses durante nossa expedição ao Everest.
Durante a trilha, e quando a respiração acelerada nos permitia falar, comentou comigo:
"A montanha que estamos escalando esse ano é muito diferente minha amiga!"_ Pemba Sherpa"Mas você está gostando?"_ Karina Oliani"Claro, pra mim é sempre um prazer trabalhar com você e estar aqui sempre que precisar e para o que precisar."_ Pemba Sherpa
Tenho que assumir que não tenho muitos amigos, mas os que eu tenho são o maior tesouro da minha vida juntamente com a minha família!
Levamos comida para os dias que passaríamos “em missão”, mas quem disse que os nepaleses, mesmo com comida tão escassa nos deixavam comê-la? Eles compartilhavam a deles conosco. Quanto aprendizado… Quanta generosidade, que lição de desprendimento e amor eu tenho cada vez que venho ao Nepal!
Cinco horas da manhã e ainda claro, na mesma vila e alguns metros mais acima, outra senhora tinha uma ferida muito infectada, o curativo que haviam feito em sua ferida estava completamente aderido à pele. Com muita paciência e um pouco de água quente retiramos a gaze para começar o debridamento, que claro, necessitou ser feito sob anestesia no local.
Ela ganhou um lindo e novo curativo com coloide que orientamos não mexer por sete dias. Outro homem com cerca de 48 anos pediu para olharmos seu pé. Uma madeira enorme com pregos expostos havia caído sobre uma de suas pernas que tinha perfurações e ferimentos. Uma das coisas mais efetivas que fizemos nesses dias foi vacinar aproximadamente 300 pessoas contra tétano.
Hora de voltar ao acampamento e passando pela beira de um rio nos deparamos com enormes deslizamentos de terra e pedras rolando a cada mínimo tremor. Sentimos muitos tremores a propósito. Alguns mais suaves, outros que faziam nos olhar assustados, e segundo o Malcom um foi de 5,4.
Chegando ao acampamento recebemos a triste notícia que ao longo da estrada que havíamos passado, duas pessoas morreram em um deslizamento e mais 20 voluntários que estavam trabalhando em Ghorka também. Não havia muito tempo para pensar sobre isso. Logo sai em outra missão. Agora de carro eu, Pemba e o Lucas fomos para um vilarejo de hindus. Pela sua religião quando alguém perde um membro direto da sua família essa pessoa não pode tocar em ninguém por 13 dias. Um desafio pra nós já que precisávamos tratar as feridas. Mas o que fazer se eles acreditam que ao serem tocados no período de luto seus familiares não irão para o paraíso?
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Karina Oliani durante a sua ajuda humanitária no Nepal. |
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Não eram apenas pessoas que estavam feridas, vi muitos animais machucados também pelo caminho. Cruzamos a ponte e fizemos mais alguns atendimentos.
Agora de volta e muito feliz por ter feito o trabalho que eu amo em um país que adoro, pude ainda conhecer um grupo de pessoas que tem um enorme coração! Mal Haskins e Sophie Ward continuarão por lá trabalhando muito. Quem quiser ajudar esse povo nepalês que é tão bonito, resiliente e guerreiro pode contribuir diretamente para o projeto deles: https://givealittle.co.nz/cause/Nepal-earthquake-2015
As doações devem ser depositadas na conta:
Caixa Econômica Federal
Karina Ragazzo Oliani
CPF 303 882 358-96 Agência: 3188
Conta poupança: 1000-0
Oper: 013
Obrigada aos meus parceiros Swiss International Air Lines e Hospital Sírio-Libanês.
Podcast
Namastê!
Karina Oliani
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