Desde sempre o montanhismo chama a atenção como um estilo de vida. A adoração do homem pela montanha se remete aos princípios de toda forma de civilização . As montanhas sempre tiveram ares místicos , por estarem especialmente próximas ao céu. Assim fica fácil entender por que todos povos tiveram sua montanha sagrada: Olimpo na Grécia, Meru na Índia, Sinaí na Palestina, Atlas em Marrocos e Himalayas!
É realmente difícil não se impressionar com a imponência das altas montanhas. E se as consideramos belas em fotos, pessoalmente são ainda mais exuberantes.
Tive o prazer de conhecer uma montanha em especial: Aconcagua que, situada na cordilhera dos Andes, se destaca por ser a maior montanha das Américas!
Foi minha primeira vez em alta montanha, o máximo que havia alcançado havia sido os 4.000 mentros do Mont Blanc, e pensar em 6.962 metros poderia ser assustador, se não fosse a companhia de uma parceira de escalada experiente o suficiente para acalmar qualquer impressão negativa que uma montanha desse porte pode gerar!
A Karina Oliani atuou como médica durante três meses no Everest, e lá aprendeu muito sobre a vida na montanha, as dificuldades e a paz que pode-se alcançar nesse ambiente tão inóspito. Nosso próximo desafio seria alcançar o cume do Aconcagua, para mais uma etapa de seu projeto pessoal que promete dar o que falar: conquistar as 7 maiores montanhas do mundo!
Nossa viagem estava programada para acontecer em 18 dias. A principio parece tempo de sobra, mas um dos preceitos mais importantes para esse tipo de aventura está justamente no seu tempo de permanência na montanha, pois é preciso ter paciência para escalar, e poder aclimatar-se bastante.
Tivemos o auxilio de um grande montanhista, o Willie Benegas, que junto ao seu irmão gêmeo, Damian , atuam como guias do Aconcagua há mais de 20 anos!
Dicas como o tipo de roupa apropriada, um roteiro de escalada, equipamento certos são essenciais para o sucesso de uma expedição. E claro , o guia certo faz toda a diferença, e nesse quesito tivemos sorte, o Willie nos indicou o Quique, guia experiente e super paciente, que deixou o ar da aventura ainda mais positivo.
Começamos com a parte de logística básica: comprar a permissão de ingresso ao Parque do Aconcagua. Tal permissão varia conforme o tipo de trekking que pretende fazer e cobra eventuais resgates emergenciais.
Com nossa permissão em mãos o primeiro passo foi um trekking de 4 horas até Confluenzia, o primeiro acampamento do parque, seguindo pela rota normal de ascensão.
Em Confluenzia dorme-se uma noite para darmos inicio ao processo de aclimatação. No dia seguinte fizemos um lindo trekking até El mirador , para tomar ainda mais contato com a diferença de altitude.
É durante esses pequenos passeios que você começa a se deparar com a magnitude da beleza das montanhas, cada detalhe, pequenos pedaços cobertos de neve, luz incidente deixam o cenário impressionante.
Depois dessa primeira etapa seguimos para o Acampamento base do Aconcagua, a famosa Plaza de Mulas, localizada a 4.300 metros. Aqui o trekking é bem mais largo, e as partes de ascensão começam a pesar um pouco no fim de suas quase 8 horas de caminhada intensa.
A Plaza de Mulas é inacreditável, uma verdadeira mini cidade em meio a vales, e bem colada à parte Oeste da parede do Aconcagua.
Denomina-se assim pois é ali a última parada das mulas que trazem toda a carga mais pesada dos equipamentos dos montanhistas.
Ali iniciamos mais uma etapa do processo de aclimatação: dormir, beber bastante água e portear parte dos alimentos até o acampamento 1.
As palavras mais predominantes em qualquer alta montanha são realmente estas: hidratar-se e aclimatar-se. Os especialistas e guias batem insistentemente nessas teclas, pois isso pode definir seu sucesso ou não na expedição.
Então lá estávamos nós com nossas sopinhas e chás a tiracolo!
O dia que você permanece na Plaza de Mulas observa com mais atenção a rotina daquele pequeno vilarejo. Ali estão pessoas que instalam-se a trabalho no local por mais de 3 meses, e é interessante perceber suas relações com o ambiente. São cozinheiras, chefes de acampamento e porteadores , todos dividindo aquela espaço com a mesma energia e alegria do primeiro dia de inicio de temporada. Essa é a força da montanha, é energizante!
O dia de subida oficial amanheceu lindo, e relativamente quente em comparação às noites de quase -25ºC que chegamos a pegar no acampamento base, situação um tanto atípica para eles nesse período.
Uma das grandes dificuldades do Aconcagua , alias, é justamente essa instabilidade climática, um dia pode amanhecer super aberto e pela tarde cair toda neve do mundo e vice-versa. Nenhuma previsão é certeira e esse acaba sendo o maior obstáculo da montanha.
Seguimos para o Acampamento 1, ou mais conhecido como Canadá, relativamente bem. E lá você começa a sentir mais os efeitos de altitude, a cabeça dói um pouco e alguma sensação de náusea pode ser normal.
A partir dai o processo fica mais interessante, pois é onde emergimos efetivamente no ambiente inóspito do montanhismo: armamos nossa barraca, temos que pegar neve para derreter e cozinhar. É ai que a paz começa efetivamente a se estabelecer!
Com o passar dos dias e altitude que ganhamos, o frio fica cada vez mais intenso, mas somos agraciados por pores-do-sol de cinema. Cores e luzes nunca antes vistas.
De Nido de Condores, o acampamento 2, adiante, a paisagem fica ainda mais paradisíaca, o ar mais rarefeito, e as passadas ainda mais lentas. Vimos a importância do trabalho paciente. É uma atividade totalmente adversa à imediatez. Você pode pegar o atleta que dá os tiros mais rápidos na corrida, que seu desempenho não será tão bom se o mesmo não passar por um forte processo de aclimatação.
Nosso esforço físico mais uma vez é compensado por uma vista impressionante do acampamento, já que estávamos instalados um pouco mais acima das demais barracas.
Depois de mais um dia partimos para a penúltima etapa em busca do topo: o acampamento 3 ou curiosamente chamado de Cólera. Lendas divergentes explicam esse significado, como a de um casal que brigou naquele lugar e ao se separarem ela teve um episódio de cólera.
Mais uma subida relativamente curta, 4 horas de escalada e chegávamos as nossas tendas localizadas a quase 6.000m . O tempo piorou e nossas ¨casinhas¨ acabaram cobertas de neve até a metade.
Até esse período nosso trio de escalada composto pela Karina, o guia Quique e eu estávamos bem, mais a noite, que antecedia ao dia de cume , eu comecei mais uma vez a sentir os efeitos da altitude extrema. Dores de cabeça e náusea já não eram amenizadas por Ibuprofenos, e só o descanso poderia me ajudar.
A Karina sentia-se super bem e empolgada para sua conquista ao cume.
Tivemos uma janela de espera pois o tempo fechou. E finalmente no dia 20 de fevereiro de 2011, os elementos estavam perfeitos para a escalada final: sintonia e tempo aberto.
Infelizmente eu não melhorei de minha náusea, e não pude acompanhá-los, naquela que seria a jornada mais dura, mas a Karina continuou com o Quique para representar bem nosso objetivo.
Foi um dia duríssimo que ela mesmo não imaginava que poderia ser. Nos pintavam a rota normal do Aconcagua como sendo apenas um longo trekking, sem partes técnicas, mas divergentemente ela se deparou com partes técnicas, como a da famosa ¨Travessia¨ na qual 1 passo mal dado pode ter resultados desastrosos.
Após 8 exaustivas horas de escalada, nas quais até a cabeça do guia mais aclimatado da montanha doía, eles alcançaram o cume, sendo o ápice da viagem , ou parafraseando a metáfora divertida de nosso guia: alcançar a cereja do bolo!
A Karina Oliani acentuou que é mesmo uma montanha de responsabilidade, e que nem ela mesma acreditava que era tão difícil. Aqui devolvemos todo respeito que ela merece!
Uma montanha do porte do Aconcagua se não levada a sério e com o devido respeito pode tirar a vida de muitas pessoas. Só nessa temporada foram 5 mortes e alguns acidentados. Existe sempre uma força maior por trás, e cabe a nós saber valorizá-la. Entramos na cordilheira pedindo ¨licença¨ à montanha e saímos agradecendo-a.
Não alcancei a cereja do bolo nesse meu primeiro contato com a montanha, mas fiquei tão satisfeita com toda aquela ¨cobertura¨ que me sinto realizada.
Uma experiência para vida, na qual você acaba voltando e valorizando ainda mais os menores detalhes de sua existência.
Agora só resta uma dúvida... Qual será nossa próxima montanha? |