Karina Oliani é médica de resgate em áreas remotas, pilota helicóptero, é apresentadora de TV, pratica mais de dez esportes e quer entrar para a história como a primeira brasileira a escalar os sete picos mais altos de cada continente.
A folhinha de maio anunciava a chegada do 15° dia sem banho. O mal-estar abafado pelas roupas impermeáveis e pelo esforço físico se fazia notar. O termômetro apontava 30 graus negativos, castigados pelo vento de 150 km/h. Apesar das condições nada favoráveis, não tinha mais como adiar. Era chegada a hora do banho. A moça, então, iniciou o ritual: caminhou até o rio, encheu seu galão de 20 litros de gelo, acendeu o fogareiro, esquentou a água e abriu um sorriso prevendo sua tão esperada ducha. Entrou na barraca, despiu-se e suspirou com as primeiras gotas de líquido morno que sentia na pele em duas semanas de subida ao monte Everest.
Karina foi arremessada em questão de segundos. Os constantes minitornados característicos da região se formaram justamente quando ela, enfim, banhava-se. A barraca se lançou pelos ares e ela foi atirada 10 metros pelas pedras que cobriam o chão. "Caí, bati a costela, o ombro, o cotovelo e achei que tinha quebrado o braço. As minhas roupas voaram, fiquei pelada no meio do acampamento", recorda ela, sem demonstrar tempo ruim. Quem saiu atrás das roupas de Karina foi Jordan Romero, o norte-americano de 13 anos considerado o mais jovem escalador a alcançar os 8.848 metros do Everest – feito conquistado na companhia do pai e da madrasta. Paul e Karen, então, socorreram a amiga brasileira. As escoriações e contusões a deixaram sem mover o braço por três dias, mas, médica por formação, ela soube logo se tratar.
Dias antes de encontrar a família Romero e chegar ao último nível antes do cume, Karina se encontrava no lado norte do Everest (Tibete) justamente exercendo o ofício. Especializada em medicina de resgate em áreas remotas, ela havia sido contratada para monitorar a caminhada de um senhor de 80 anos até o acampamento-base. Richard Bass, o primeiro homem da história a escalar os sete picos mais altos de cada continente, estava indo celebrar os 25 anos do feito, conhecido como Seven Summits: Everest (Ásia), Aconcágua (América do Sul), Denali (América do Norte), Kilimanjaro (África), Elbrus (Europa), Vinson (Antártida) e Pirâmides de Cartzen (Oceania).
Essa era a segunda vez que Karina encarava os ventos gelados do Everest. Sua estreia foi com Dani Monteiro para a gravação do programa Extremos, do Multishow. "Em alguns momentos tive certeza de que não ia conseguir chegar", desabafa a apresentadora carioca. "Mas a Karina sabe te motivar, ela tem muito mais preparo físico do que eu. Tudo o que ela diz fazer pode ter certeza de que faz muito bem. Além de ser forte psicologicamente", completa.
Quando Dani diz "tudo", ela se refere aos tantos esportes que Karina pratica. Ela é bicampeã brasileira de wakeboard, instrutora de mergulho, praticante de apneia, canoagem, kitesurf, snowboard, escalada em rocha, rapel, hipismo, downhill e já integrou equipes de corridas de aventura. Dançou balé por 12 anos, jazz por sete e tem a pole dance como hobby. Hoje, almeja o projeto que Richard Bass concluiu em 1985: "Quero ser a primeira brasileira a chegar aos sete picos mais altos de cada continente", desafia. Dos sete, ela já alcançou um. A subida aos 5.895 mil metros do Kilimanjaro foi registrada para o quadro "Rota Radikal" – com produção e roteiro de próprio punho –, exibido no programa semanal Esporte Fantástico, na Record, entre meados de 2009 e 2010. Três anos antes, foi uma das apresentadoras do "Rolé", quadro do Zona de Impacto, no SporTV. Agora, comemora o recém-contrato com o Multishow, ainda sem saber o formato do programa.
Queda livre
O primeiro sinal da veia outdoor de Karina soou em 1989, quando, aos 7 anos, anunciou à família que desistira de ser astronauta para virar surfista profissional. Aos 8 anos, brotou a ideia fixa de saltar de paraquedas. Após três de insistência, recebeu o aval dos pais para se lançar ao céu de Boituva, no interior de São Paulo, e conheceu a sensação da queda livre. Já mais velha, aos 15 anos, foi morar na Austrália para terminar o ensino médio e se tornou salva-vidas em Gold Coast, depois de provar o excelente preparo para a natação. "Não queriam deixar de jeito nenhum, mas estava obcecada e passei nos testes", conta. A irmã caçula, Nathali, profissional de snowboard e companheira de escaladas, legitima o que já é notável: "A Karina não desiste nunca, é dedicada, muito transparente e forte emocionalmente".
Na volta ao Brasil, entrou na Faculdade de Medicina do ABC e, seis anos depois, em 2007, se mandou para os Estados Unidos para se especializar em medicina de emergência e resgate em áreas remotas. Nesse meio-tempo, tirou brevê de piloto de helicóptero. "Fui fazer medicina para poder ajudar as pessoas no momento em que elas mais precisam", explica. Em 2008, portanto, fundou, com dois sócios, a Medicina da Aventura, a primeira organização brasileira ligada à Wilderness Medical Society, da qual é membro, para promover treinamentos no ambiente selvagem, tais como: salvamento, doenças de altitude, ataques de animais selvagens, entre outros, além de liderar equipes de suporte para corridas de aventura.
Tanta atividade física exige um bom condicionamento. Quando está em São Paulo, onde mora com o pai, empresário, a mãe, maratonista, e as duas irmãs, Karina pratica corrida em ladeiras. Porém, como montanhista, não basta. É preciso treinar mais alto. Visto isso, ela escolheu o arranha-céu mais famoso da cidade como lugar de treino: o edifício Terraço Itália. Cinco dias por semana, carrega a mochila com 20 quilos de anilha de academia e sobe os 42 andares da escada de incêndio repetidas vezes. "É o melhor treino para o montanhismo", defende a moça, que ganhou permissão para tal depois de apresentar o projeto dos sete maiores picos de cada continente. "O montanhismo é desafiador, ninguém consegue se não tiver estratégia: você tem que carregar sua comida, sua roupa, seu oxigênio, derreter a água que toma...", enumera Karina, interrompendo a fala para contar que foi convidada para ser a representante sul-americana de uma expedição de sete mulheres que irão cruzar o polo sul, em 70 dias. Se ela tem medo? "Tenho medo de tomar injeção e de a vida passar e não ser bem vivida. Tenho mais medo disso do que de morrer, então prefiro correr o risco", desafia ela, que só tem 28 anos. Imagina, então, quando chegar aos 80. |