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COLUNISTA JUS PRADO
 
Tour du Mont Blanc: meia volta vou ver!
 
texto e fotos: Jus Prado
30 de Outubro de 2015 - 10:36
 
Jus Prado a caminho do Col de la Seigne, no Tour du Mont Blanc.
 
  Jus Prado  

Um dos caminhos de longa distância mais populares da Europa, o Tour du Mont Blanc, ou simplesmente TMB, atrai gente do mundo todo para admirar a beleza da natureza alpina que se estende por mais de 170km passando por três países de cultura, gastronomia e identidade totalmente diferentes, o que com certeza contribui para tornar esta rota um clássico que todo aventureiro deve realizar um dia!

Normalmente o caminho é feito no sentido antihorário e pode durar de 7 a 10 dias ou mais dependendo da logística de cada viagem. O ponto de partida é pela vila Les Houches, no vale de Chamonix, em seguida a vila Les Contamines, ainda em território francês, a próxima parte é na Itália, em Courmayeur, depois se entra na Suíça por Champex ou algum ponto perto de Martigny e para fechar o circuito, Argentière, La Flégère e Les Houches retornando ao vale de Chamonix. E por falar em vale, este caminho nos revela a singularidade de oito vales diferentes em torno do massifico do Mont Blanc, são eles: vale de l'Arve (ou de Chamonix), vale de Montjoie, vale des Glaciers, vale Vény, vale Ferret (italiano), vale Ferret (suíço), vale d'Arpette e vale do Trient na Suíça.

Ultimamente, muitas rotas variantes têm sido abertas em paralelo com as clássicas para atender aos mais variados gostos e necessidades, encontram-se tanto variantes mais fáceis que podem ser úteis para famílias ou em caso de mau tempo, por exemplo, como variantes mais exigentes para aqueles que gostam de desafios. Escolhi dar uma conferida no primeiro trecho da rota clássica que me disseram ser um dos mais belos do TMB, Les Houches - Les Contamines - Courmayeur - depois de volta a Chamonix, essa era uma boa parte do caminho o que seria ideal pelo tempo que eu teria (4 dias) e pela meteorologia também. Os dias têm sido muito quentes neste verão com ondas de calor fora do normal e períodos sem chuva. Para a semana que previ o TMB, tempestades estavam à vista para os últimos dias da caminhada, o que faz parte da natureza, mas no meu caso, seria "tolerável" já que eu estava indo solo e com a minha 'casa' nas costas, no fundo eu não estava muito afim de ficar no perrengue molhada, principalmente porque fui com um tênis que não era impermeável.

Dia 1

Bom, peguei o mapa emprestado com a minha parceira de trabalho, a guia de montanha Jenny, quem me deu algumas dicas de variantes que eu poderia fazer, reli a rota um dia antes de partir com o meu amigo Jimmy, um verdadeiro chamoniard (nome dado para quem é nascido/ criado em Chamonix) quem também conhece muito bem a região, e fui confiante com tudo o que eu precisava na mochila para acampar. O meu objetivo com essa travessia era o de aproveitar e, ficar offline, ir tranquila no meu ritmo, ficar na natureza, me inspirar, me desafiar a fazer uma caminhada de alguns dias pela primeira vez sozinha, conhecer novas trilhas, enfim, aproveitar e expandir os horizontes!

Ir tranquila era o meu lema, então, de última hora eu decidi tirar o gás, o fogareiro e o macarrão da mochila e ir só com um pouco de pão, queijo e atum que daria para fazer um lanche por alguns dias, tomei essa decisão depois de rever o caminho e ver que não havia a necessidade de levar muita comida e, consequentemente ir ainda mais pesada, pois, pelo caminho iria passar por vilarejos e refúgios os quais eu poderia desfrutar da gastronomia local, o que também faz parte da experiência de toda essa aventura.

Deixei Chamonix numa bela manhã fresca e com uma vista incrível da sombra do pico Aiguille Verte no céu. Peguei o ônibus até Les Houches ansiosa em estar logo no meio da montanha e como eu já havia feito a trilha de Chamonix até Les Houches bem como a trilha de Les Houches até o topo do teleférico Le Prarion, não hesitei e confesso que peguei o teleférico para adiantar a minha chegada em novas trilhas! Col de Voza (1650m), Le Crozat (1420m), Bionnassay (1320m), Le Champel (1225m), La Gruvaz (1090m), Les Contamines (1170m) e pausa para almoço. Este primeiro trecho foi tranquilo (com a ajuda do teleférico, rs) e depois da pausa segui até La Rollaz, onde montei a minha barraca numa área de bivaque perto de um rio o qual molhei meus pés e fiz um pouco de yoga ao lado. Foi muito bom estar sozinha ali naquela parte já que as trilhas são movimentadas de turistas na alta temporada do verão europeu.

Eu havia esquecido a dor de carregar uma mochila pesada, a dor nos ombros e no quadril onde passam as tiras da mochila, mas ao mesmo tempo eu estava muito feliz de estar ali e de ter caminhado 6h tranquilamente. Fiz um lanche e me preparei para dormir. Os dias são longos no verão então nem vi a noite cair. Acordei 1h30 da manhã e finalmente estava escuro, deu um medinho bobo de estar ali sozinha no meio do mato, porém curiosamente eu havia sonhado com aquele momento, era realmente um desafio pessoal tentar me sentir confortável naquela situação. Abri a porta da barraca e olhei para aquele breu sem lanterna, a imaginação voa, olhei para o céu e estava lindo cheio de estrelas! Tomei a coragem de acreditar que nenhum bicho papão, lobo ou serial killer dos filmes de terror iriam surgir ali, ri de mim mesma diversas vezes com esses pensamentos bestas, e saí da barraca porque eu precisava muito fazer xixi. Quando eu saí e olhei para o céu novamente, vi a estrela cadente mais linda e brilhante da minha vida! Ah, que presente dos céus! E então, os medos bobos se dissolveram pouco a pouco.

     
     

Dia 2

Manhã fresca e aquecimento na hora de arrumar tudo e fazer caber certinho na mochila de 40 litros: barraca de um lado e isolante térmico do outro, na parte de fora dessa que me acompanhou em tantas viagens desde 2009 (talvez essa seja sua última empreitada) enfim, hora de subir e enfrentar o sol. Col du Bonhomme (2329m), Refúgio Croix du Bonhomme (2443m) e, ainda com energia, decidi descer até Les Chapieux (1554m), que descida eterna!!! O que me movia nessa hora era chegar à Les Chapieux e comer um belo prato savoyard, pois meus amigos de Chamonix fizeram uma super propaganda desse lugar que eu não podia perder!

Cheguei cerca de 16h30 da tarde, com a ponta dos dedões dos pés em agonia da descida eterna com o peso extra da mochila mais o cansaço do sol na cuca o dia todo, dei uma olhada no menu do Auberge de la Nova e fiquei com água na boca! Perguntei que horas eles serviam os pratos do menu...só às 19h30! Ui, ok. E eu ainda teria que esperar ainda mais por conta da galera que já estava hospedada no albergue, eles tinham a prioridade para serem servidos. Comprei dois pequenos pedaços de queijo direto dos produtores locais: Tomme de Chèvre (queijo a base de leite de cabra) e Tomme de Brebis (queijo a base de leite de ovelha) esse último é o meu preferido! Avistei a sombra de uma bela árvore e um gramado o qual, potencialmente, eu poderia montar minha barraca. Sentei por ali, tirei o tênis e fiquei rindo do meu pequeno estresse momentâneo durante a descida eterna. "Tranquilo" pensei. Isso tudo faz parte e o que eu mais merecia naquela hora era uma boa refeição seguida de descanso! Ah, como são bons os dias na montanha!

Depois de alguns minutos um homem com uma mochila cheia e grande sentou-se próximo de mim e com um sorriso disse: "Sombra boa!" Confirmei e ele puxou mais assunto dizendo que havia me cruzado no início da trilha depois de Bionnassay. Pensei um pouco, pois é tanta gente nessa época que cruzamos e dizemos "Bonjour" que depois de um tempo me lembrei dele que disse que também estava ali acampando e fazendo a trilha sozinho. Nome: Alex, origem: Estônia. Deve ter seus 40 e poucos anos, se não mais, professor de engenharia civil, já havia feito o TMB todo duas vezes, essa era a terceira. Nossa conversa nos levou aos assuntos sobre budismo, hinduísmo, yoga, ele era um amante desses tópicos. Ótimo! Porque filosofar sobre a vida é que mais gosto de fazer e compartilhar. Montamos nossa barraca, aproveitamos a ducha do albergue e fomos comer um delicioso fondue savoyard! E no momento em que estávamos no restaurante, a tempestade que estava prevista para o próximo dia chegou adiantada e o céu caiu na pequena vila de Les Chapieux. Fiquei com dúvidas se minha barraca iria aguentar o toró, mas procurei manter o pensamento positivo de que tudo seria tranquilo e que eu me manteria seca. Brincando com a natureza!

Dia 3

Céu limpo, tudo seco dentro da barraca, hora da arrumação matinal e pé na estrada até a vila des Glaciers para pegar a subida até o Col de la Seigne (2512m), divisa entre a França e a Itália. De lá, sem querer, pegamos uma variante e depois de uns 15 minutos nessa trilha mais difícil, pegamos o mapa e decidimos voltar para o Col e ver a sinalização para o caminho clássico. Voltando ao Col, não por acaso, encontrei um grupo de brasileiros! Raridade por aqui. Fiquei contente, pois espero incentivar cada vez mais brasileiros para conhecer essa bela região. Conversamos um pouco, eles eram uma família de Brasília que pretendia fazer o tour completo, nos despedimos na trilha e continuei com o Alex em direção ao Refúgio Elisabetta. Não estava nos meus planos comer por lá, mas sentamos no restaurante e pedimos uma polenta com queijo e enquanto isso o céu caía lá fora mais uma vez. Refúgio lotado, sentamos na entrada após comer e esperamos a chuva dar uma acalmada. Quando decidimos sair, a chuva tinha passado, até saiu um pouco de sol, mas mais nuvens pesadas estavam chegando e após sentir algumas gotas d'água decidimos trocar o último trecho de montanha que daria em Courmayeur, pelo caminho por baixo seguindo a estrada até La Visaille, onde tomei o melhor chocolate quente da minha vida num café muito bonitinho em frente ao ponto de ônibus. Já era o gostinho do fim para mim, pois, Alex iria continuar.

Pegamos o ônibus até um camping em Checrouit e lá passamos a noite com mais chuva caindo. Ainda bem que não estávamos na montanha naquela hora! Fiquei feliz que minha barraca sobreviveu e mudar a rota foi a melhor decisão para seguir seca e tranquila na minha caminhada. Com certeza eu ia curtir essa viagem com chuva ou sem chuva, mas brincar com o tempo e ver que realmente tudo está em sincronia com o que se acredita fortaleceram ainda mais as minhas expectativas positivas perante a vida e a crença de que tudo está sempre dando certo.

O TMB é incrível e realmente vale a pena fazê-lo completo de uma vez ou em prestações pelo menos uma vez na vida, porém, existem muitas outras trilhas tão belas quanto pela região e bem menos “saturadas” durante a temporada. Fiquei feliz em ter ido com a minha barraca evitando a superlotação e estresse nos pequenos refúgios, é impressionante! Apenas observei com um sorriso, tranquilo, a muvuca e parti com a minha casa nas costas.

     
     

Dia 4

Dia de voltar para Chamonix, mas antes, passei em Courmayeur para dar uma conferida, me despedi do Alex e peguei o ônibus que atravessa o túnel do Mont Blanc até Cham. Tranquilo, tudo na boa, objetivo alcançado com sucesso, boas memórias, sentimentos e histórias para contar! Afinal, é essa dose de vivacidade que buscamos em nossas vidas! Viaje, sinta e permita-se expandir.

Serviço

• TMB clássico 12 dias com guia brasileira – grupos para julho, agosto e setembro 2016.
Inscrições: Grade6 Viagens

• Palestra Aventura & Bem-estar nos Alpes, dia 17 de novembro às 20h em São Paulo.
Inscrições: Pisa Trekking Viagens e Turismo

 

Até a próxima!
Jus Prado
Lotus Viajante

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