Estive nesta jornada pela primeira vez no final de 2009 e início de 2010. Foi a caminhada mais dura que já realizei. Intensa e severa, esta trilha requer muito mais do que um bom preparo físico e, como estamos lidando com a altitude, o equilíbrio e fortalecimento psicológico tornam-se fundamentais. Certamente é esse desafio mental que faz dos ambientes de montanha e de alta-montanha serem uma experiência incrível, indescritível e de puro autoconhecimento.
Nesta primeira visita a Plaza de Mulas senti que não aproveitei a caminhada, sofri bastante pela falta de condicionamento físico e principalmente falta de condicionamento mental. Mas são águas passadas, e estou aqui para contar-lhes um pouco como foi desta vez!
De jipão Bandeirantes rasgamos as estradas deste país rumo à cidade dos vinhos, Mendoza, na Argentina. Desta vez fizemos um caminho diferente saindo de vez em quando daquela mesmice de estradas retas, longínquas e encontrando alguns trechos belos e cidadezinhas pitorescas. Depois de quatro dias, chegamos sãos e salvos no nosso destino.
A expedição ficou completa com a chegada de: Taciana, Léo, Filomena, Heitor, Reinaldo, Alexandre, Caio, Bia e Carlos Canellas. O grupo formado através da Grade 6 reuniu pessoas de diferentes lugares, todos muito entusiasmados e com um alto astral contagiante.
Ao entrar no Parque Provincial do Aconcagua, hora de caminhar! Finalmente muitos sonhos começam a tomar forma, a viagem começa no imaginário. O sonho, a preparação, o durante e o depois são momentos preciosos. Levamos mais ou menos umas quatro horas de caminhada em ritmo lento regado de muita hidratação e descontração até o primeiro acampamento - Confluência (3340m). Aqui já sentimos a pressão do ar e aos poucos vamos adaptando. Chovia muito durante a noite, e ao amanhecer nos deparamos com uma visão inesperável para o verão: havia nevado a noite toda, não era chuva, e o acampamento estava branquinho!
A quantidade de neve e o perigo de pedras soltas atrasaram um pouco a nossa saída para a caminhada de aclimatação até Plaza Francia (4200m). Após alguns outros grupos terem tomado a frente em marcar a trilha saímos com o único objetivo de aproveitar a aclimatação e não seria possível ir até o Mirador, não íamos conseguir ver a face sul, pois o tempo estava bem fechado. Porém, o visual estava fantástico! Lembrei da caminhada que fizemos o ano passado nos Himalaias rumo ao vale de Gokyo, estava igualzinho, vez ou outra me sentia lá e nem parecia que estava na Argentina.
Chegamos a um desnível de mais ou menos 400m aos sons de pedras desprendendo-se das montanhas ao redor da trilha e rolando penhasco abaixo. Paramos antes de acabar a trilha e antes de começar as morainas, sem sol, frio e caindo neve, o jeito era voltar mais depressa. O objetivo deste dia havia sido alcançado: uma boa aclimatação.
Há exatamente um ano havia feito este mesmo caminho, pensei muito em como o tempo é relativo e como estava diferente a paisagem com toda aquela neve, como eu me sentia bem desta vez e o grande dia chegava: a caminhada até a base. Estava ansiosa para este momento, me preparei bastante psicologicamente para contemplar o caminho e ajudar a quem precisasse.
Na manhã do dia 30/12/2010 (quinta-feira), todos prontos para partir e na hora certa, última parada agora é Plaza de Mulas (4300m). Deixamos Confluência (3340m) e seguimos tranqüilos, ditando um ritmo bem lento para preservar as energias.
Entramos na Playa Ancha, um trecho longo de visual lindo e repetitivo, a cada esquina das montanhas a paisagem era a mesma e parecia não acabar nunca, mas era só uma parte do grande caminho. Com mantras na mente e muita concentração no momento presente, paramos em alguns pontos para lanches e WC, sentimos bem o ar rarefeito fazendo presença naquele ambiente desértico, porém o ar parecia estar mais úmido por causa da neve que ainda habitava as encostas das montanhas. Fizemos uma última parada na Playa Ancha, e eu tinha idéia que ainda faltava muito, mas sem comentários a respeito da distância, prosseguimos.
Eu e a Filomena assim como o Alexandre e o Eduardo ficamos para trás num ritmo ainda mais preservado do que o resto do grupo. O sol já se escondia, uma leve precipitação trazia alguns floquinhos de neve. Reunimos o grupo novamente no refúgio destruído e depois de um descanso maior retomamos o fôlego para enfrentar a Costa Brava, o "sprint" final.
A neve aumentou sorrateira e silenciosa, e eu tinha um pouco de dificuldade em enxergar a trilha depois da subida íngreme. Lembro-me de incentivar a Filó, e as palavras serviam para mim também, mais atrás o Alexandre e o Eduardo, quase não os víamos, esperávamos um pouco até vê-los e então prosseguíamos nos nossos passinhos.
O cansaço era grande, e quando vimos a bandeira da Argentina naquele dia fechado, eu e a Filó abrimos um sorriso e dissemos: "Está perto! Finalmente um sinal". Nunca havíamos ficado tão contentes em ver uma bandeira da Argentina! Alguns passos a mais e vimos o acampamento base erguendo-se a nossa frente! O resto do pessoal chegou um pouco antes de nós e fizemos questão de esperar o Alexandre e o Eduardo na entrada do acampamento, enquanto eles não apareciam, eu e a Filó contemplávamos o final da extensa caminhada daquele dia, nos abraçamos e choramos felizes da vida! Um momento indescritível após 11 horas de caminhada.
O dia seguinte saiu lindo, vimos o imponente Aconcagua com seus 6962m a nossa frente e percebemos também que no período da tarde o tempo fechava.
Já em 2011, o nosso segundo dia na base foi de bastante emoção, acompanhamos da base o pessoal da escalada começando o porteio, eles iriam até o campo 1 – Plaza Canadá (4950m) e é nesse momento que temos uma pequena noção da dimensão da montanha, a medida que o pessoal ia subindo eles iam sumindo virando pontinhos quase inexistentes na sentinela de pedra. Fiquei eu, a Filó e a Bia e decidimos ir até o glaciar do charmoso Cerro Cuerno (5462m) ver a formação dos penitentes, foi uma caminhada leve e bem interessante, uma descoberta para as meninas que pela primeira vez viam aquela formação de perto.
Na manhã seguinte iríamos embora e o pessoal da escalada ficaria para a tentativa de cume. Seguimos baixando e em nove horas e meia chegamos na entrada do Parque. A volta foi acelerada, paramos pouco e não víamos a hora de chegar na cidade e ter banho quente e comidas variadas a vontade! Pegamos o jipão e fomos embora desejando muita sorte para os que ficaram para a escalada.
Desfrutamos da cidade com aquela sensação de ainda estar na montanha, tudo parecia muito diferente, muito fácil, muito bom, tínhamos tudo a qualquer hora e isso era estranho. Passamos uma semana na montanha e parecia que havia se passado muito, muito tempo, meses ou talvez anos! Voltei a pensar na impermanência das coisas e em como devemos mesmo aproveitar cada instante, pois ele nunca mais será o mesmo, ou melhor, nós é quem mudamos, nunca mais seremos os mesmos.
Finalizando este "pequeno" relato (rs) gostaria de agradecer a todo
Grupo da Grade 6 que esteve comigo nesta viagem e alcançou seu próprio cume e também quem conseguiu ler até aqui e sonhar com os fatos, imaginando a situação e quem sabe um dia também realizar um sonho. Lembre-se que a viagem começa na imaginação! Namastê! |