Extremos
 
11º dia da Expedição Transpatagônia - Puerto Puyuhuapi
 
da redação, Texto e fotos: Guilherme Cavallari
11 de outubro de 2012 - 11:49
 
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  • Expedi��o Transpatag�nia
    O jatinho particular Foto: Guilherme Cavallari
  • Expedi��o Transpatag�nia
    Rebecca Church, minha companheira moment�nea na expedi��o" Foto: Guilherme Cavallari
  • Expedi��o Transpatag�nia
    Casas simples onde aproveitamos para um pernoite " Foto: Guilherme Cavallari
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O jatinho particular Foto: Guilherme Cavallari

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De Chaitén, desde minha última publicação no blog, percorri mais 190 quilômetros em três dias de pedal depois de um dia de descanso... De Chaitén a Villa Santa Lucia, onde acampei no humilde quintal de uma simpática chilena com dois filhos pequenos, entre cachorros e galinhas; de Villa Santa Lucia a La Junta, onde dormi em um albergue bem simples em cima de um mercadinho, onde o prometido chuveiro de água quente era mesmo uma promessa; de La Junta a Puerto Puyuhuapi, onde estou hospedado em um albergue confortável e bem arrumado, com talvez lenha demais no fogão de aquecimento.

No total (não que isso tenha grande importância) já percorri 427 quilômetros em oito dias de pedal. Hoje é meu décimo primeiro dia de expedição, já que comecei na segunda-feira 01 de outubro...

Em Chaitén arrumei uma companhia momentânea para a viagem... Uma norte-americana chamada Rebecca Church, do estado de Montana, professora fundamental de crianças com deficiências e aficionada por mountain bike e esportes de aventura. Ela viaja sozinha pela Patagônia com uma bike full suspension aro 29 de 20 marchas e relativamente pouca babagem. Seus planos são meio vagos e ela pretende passar três meses por aqui e gostaria de aprender um pouco de espanhol. Seu avião de volta para casa parte de El Calafate, na Argentina, daqui a dois meses. Como estávamos indo na mesma direção, Coyhaique, aqui no Chile, Becky sugeriu que pedalássemos juntos. Ela disse que não estava se sentindo muito segura em acampar sozinha na Patagônia...

 

Confesso que hesitei um segundo em responder, afinal existem várias implicações em ter companhia em viagem... É preciso ajustar planos e estilo de viagem para acomodar os planos e estilo do outro; é preciso saber administrar humores, desejos, frustrações que todos temos; é preciso deixar nosso casulo, nosso próprio umbigo, olhar para o outro, cuidar também do outro. Obviamente, seria muito mais fácil, tanto para mim quanto para ela, viajar sozinho, mas percebi a oportunidade que se apresentava...

Acredito que em viagem as oportunidades não devem ser imediatamente e facilmente descartadas, pois podem nos levar a lugares especiais. No caso de Becky, era a oportunidade perfeita para eu não cair na minha armadilha favorita, no meu defeito mais recorrente... Fechar-me dentro de mim mesmo e viver isolado meu mundinho.

Pedalamos juntos três dias e ela tem tirado sangue de mim! Ela é muito mais forte que eu, mais de dez, talvez quinze anos mais jovem, andou treinando para participar de corridas longas de mountain bike e está em boa forma física. Seu estilo é pedalar forte por muito tempo, fazer longas distâncias, descansar à noite e repetir tudo no dia seguinte sem pestanejar... Eu não estou na minha melhor forma física e, confesso, tinha uma expectativa de viagem mais tranquila, talvez por preguiça ou comodismo. Mas, para cumprir o cronograma da expedição, calculo que preciso pedalar cerca de 65 quilômetros por dia, então não dá para facilitar muito tampouco. Becky pode até achar que precisa mais de mim do que eu dela, mas ela está me fazendo entrar em forma mais rápido, está me obrigando a entrar no ritmo certo para a viagem e, assim, está me ajudando bastante.

Fica a lição da viagem para a vida, de me manter aberto para as oportunidades, de deixar que os outros entrem e participem do meu mundo e prestar mais atenção ao mundo dos outros...

As pessoas que encontramos na estrada, assim como na vida, são todas muito importantes. Elas representam o resumo da nossa verdadeira experiência de vida. Alguém pode aprender muito com determinado lugar, com a natureza, com o mar ou uma montanha, por exemplo, mas são as pessoas que nos tocam e são tocadas por nós que realmente importam. Elas nos definem e são definidas por nós. Isso para mim em viagem fica muito claro, usando, claro, a viagem como alegoria para a vida... Porque uma viagem nada mais é do que a vida em um pequeno frasco.

Entre La Junta, onde dormi ontem, e Puerto Puyuhuapi, onde estou agora, existe um enorme lago chamado Risopatrón. A Carretera Austral passa ao seu lado por toda sua extensão, num sobe e desce constante e sinuoso. O lago é muito escuro, quase negro, muito longo e relativamente estreito. Na margem oposta existe uma cadeia muito íngreme de montanhas não muio altas, cobertas de densa vegetação. A parte central dessa cadeia é rochosa e ainda está coberta de neve e gelo. A paisagem convida à introspecção e à meditação, embora isso fique difícil sobre uma mountain bike e ainda mais difícil bufando e puxando um bike trailer de mais de 30 quilos...

 

Mas, hoje, pedalando ao lado do Lago Risopatrón, meditei bastante sobre a busca de quem viaja, que para mim é sempre a busca de si mesmo, apenas projetada em lugares distintos. Viajar de bicicleta possibilita à gente se projetar em diversos lugares diferentes... Nos imaginamos vivendo numa cabana no topo de uma montanha, num chalé à beira de um rio, numa pequena fazenda cheia de animais... Mas em todas essas projeções eu me imaginei fazendo mais ou menos o que faço, sendo quem sou, vivendo ao lado da Adriana, minha mulher, meu amor e companheira...

Foi uma sensação muito agradável de simplesmente do desejo e as projeçõe me levaram a não desejar mais nada, porque sabia que se realmente quisesse viver em um daqueles lugares, poderia simplesmente realizar o desejo, porque estava ao meu alcance. Então deixei de desejar. É muito bom não desejar nada. Lembrei imediatamente do que disse o filósofo greco-romano Sêneca, tutor do imperador Nero... "Pobre não é aquele que tem poucas posses, mas aquele que cobiça demais".

E para quem achou a foto da fuselagem do avião estranha... Essa carcaça está perto de Chaitén, na zona de El Amarillo. Um fazendeiro local recolheu esse avião, que estava caído na cordilheira, com um carro de bois, aliás muitos bois, há mais de quarenta anos atrás... Dizem os vizinhos que ele convidava quem passava para tomar um mate com ele dentro de seu "jatinho particular"...



Guilherme Cavallari
clubedaaventurakalapalo.blogspot.com.br