Tenho vários livros de referência na minha biblioteca, entre eles belas publicações com os supostos melhores destinos de turismo aventura do mundo, como Top Treks of the World (New Holland Publishers, 2001, Steve Razeetti, ISBN 9781859745212), The Lonely Planet Guide to the Middle of Nowhere (Lonely Planet, 2006, Roz Hopkins, ISBN 9781741047844) e 25 Ultimate Experiences Adventure Travel (Rough Guides, 2007, Mark Ellingham, ISBN 9781843538295). Em nenhum deles aparece o Brasil.
Esses não são os únicos livros que tenho, ou que já vi, com indicações de excelentes destinos de aventura pelo mundo. Existem muitas publicações com os melhores roteiros, as melhores experiências, os melhores lugares naturais. E todos simplesmente ignoram o Brasil. Nós não existimos no mapa-mundi da aventura. Culpa dos editores desses livros? Dos autores? Dos turistas que compram esses livros? Não. Culpa nossa, brasileiros, que não tivemos competência de produzir roteiros adequados ao público internacional.
Poucos países no mundo têm o potencial do Brasil como destino de turismo aventura. Nossos números são estrondosos. Temos uma área territorial de 8.514.876,59 km² representando 48% de todo o território da América do Sul, costa marítima de 7.408 km de extensão praticamente toda de belas praias, a maior bacia fluvial do mundo na Bacia Amazônica com cerca de 7.050.000 km² de área, o Rio Amazonas é o segundo maior do mundo em extensão, com 6.436 km, e o maior do planeta em volume de água, com vazão média de 209.000 m³/s, temos ainda clima ameno o ano todo, fartura de fauna e flora, grande diversidade cultural, povo pacífico e hospitaleiro que fala uma única língua em todo o território nacional. E a lista continua, quase sem fim.
E porque então Chile, Argentina, Peru e Bolívia, para citar apenas alguns países próximos, conseguem ser referência como destino de aventura e o Brasil não? No mapa-mundi da aventura parece haver um buraco onde o Brasil existe. Será porque não temos montanhas nevadas? Claro que não. Esse argumento não faz sentido. Austrália e a Costa Rica também não possuem montanhas nevadas e são destinos populares em turismo de aventura. Nem todo turista de aventura busca neve e frio. Na verdade uma minoria busca isso.
Nosso problema é incompetência
|
|
GREAT SMOKY - O Great Smoky Mountains National Park (parque nacional) recebeu 9.289.215 visitantes. |
|
|
|
|
ITATIAIA - O Parque Nacional do Itatiaia, o mais antigo do Brasil e ícone em esportes de aventura, no coração da região mais populosa e rica do país, recebeu, em 2009, o recorde de 100.454 visitantes. |
|
|
|
|
TORRES DEL PAINE - o isolado Parque Nacional de Torres del Paine, na Patagônia chilena, estruturado para visitação por apenas cinco meses ao ano, recebeu 123.570 turistas e apresentou um decréscimo de 2,27% em relação ao ano anterior. |
|
|
Nossos parques nacionais, por exemplo, são cheios de restrições ao uso público, quase sempre proibidos para acampamentos, trekking ou escalada, mas, ao mesmo tempo, sem fiscalização competente contra pescadores e caçadores ilegais, grileiros, palmiteiros, mineradores clandestinos e afins. Orquídeas e onças em extinção são mais comuns neles do que guarda-parques. Enquanto que, em 2006 nos Estados Unidos, o Blue Ridge Parkway (estrada parque) recebeu 18.953.478 visitantes, a Golden Gate National Recreation Area (área nacional de recreação) recebeu 13.486.824 visitantes e o Great Smoky Mountains National Park (parque nacional) recebeu 9.289.215 visitantes, no Brasil, o parque nacional mais visitado em um período de um ano, de abril de 2008 a abril de 2009, foi o Parque Nacional da Tijuca, dentro no perímetro urbano do Rio de Janeiro e com o Cristo Redentor como principal atração. O Parque Nacional do Itatiaia, o mais antigo do Brasil e ícone em esportes de aventura, no coração da região mais populosa e rica do país, recebeu, em 2009, o recorde de 100.454 visitantes. Mais ou menos no mesmo período, o isolado Parque Nacional de Torres del Paine, na Patagônia chilena, estruturado para visitação por apenas cinco meses ao ano, recebeu 123.570 turistas e apresentou um decréscimo de 2,27% em relação ao ano anterior.
O turismo internacional de aventura funciona a partir de roteiros conceitualmente bem estruturados e muito bem divulgados. Enquanto nós brasileiros não despertarmos para essa realidade, continuaremos fora do mapa. Roteiros apropriados ao turismo internacional de aventura exigem determinadas características como, por exemplo, preservação ambiental, contato estreito com a natureza, segurança, sistemas eficientes de resgate, restrição a veículos motorizados, roteiros bem indicados (jamais agressivamente sinalizados), etc.
Pensando nisso, decidi, em 2010, mapear a Serra da Mantiqueira – um das referências nacionais para mountain bike. Desenhei, mapeei e publiquei no Guia de Trilhas cicloMANTIQUEIRA, um roteiro de 1.168 km de trilhas consecutivas em 30 dias sugeridos de pedal, conectando Extrema a Ibitipoca, ida e volta por caminhos diferentes. Agora estou mapeando um roteiro ainda maior, com pelo menos 31 dias de duração, ligando Blumenau (SC) a Gramado (RS), que será publicado em dezembro no Guia de Trilhas Serra Geral (Blugrama). A intenção por trás desses dois guias é criar roteiros nacionais em condições de competir, de igual para igual, com, por exemplo, a Carretera Austral na Patagônia chilena (mapeada e publicada por mim no Guia de Trilhas Carretera Austral, o Caminho de Santiago de Compostela, o Transalp, o Transrockies e outros tantos roteiros internacionais de turismo aventura.
Mas, como diz o ditado, uma andorinha não faz verão. |