Extremos
 
COLUNISTA FERNANDA ABRA
 
Despedida de solteira no Parque Nacional do Itatiaia
 
texto: Fernanda Abra
5 de setembro de 2016 - 14:56
 
Fernanda Abra, Ana Lívia (a noiva) e Ju.
 
  Fernanda Abra  

As despedidas de solteiro são le-gen-dárias! E quando eu escrevo isso eu lembro do personagem “Barney Stinson” do seriado How I met your mother que organizava as despedidas de solteiro mais insanas dos seus amigos. A despedida de solteiro está intimamente ligada às grandes festas, só de homens ou só de mulheres, com direito à uma boa noitada regada à bebida alcoólica, com música alta, lembrando de como eram bons e loucos os momentos na solteirice – alguns recordam os ex relacionamentos, relembram algumas histórias proibidas e curtem o que seria aquele último momento com os amigos. A despedida de solteiro é um ritual que marca, teoricamente, o fim da vida de solteiro para a vida de casado, com mais responsabilidades e dedicação ao cônjuge.

“A amizade é um amor que nunca morre.”

Mario Quintana

Em 2015 a Ana anunciou para mim e pra Ju que iria casar. Eu, a Ana e a Ju cultivamos uma amizade sólida e verdadeira há mais de 26 anos! Acredito que quando tínhamos quatro anos de idade durante o pré II, enquanto dividíamos o giz de cera sentimos grandes afinidades umas pelas outras e isso nos mantém unidas até hoje. Ser as melhores amigas da noiva que vai casar inclui múltiplas tarefas, entre elas organizar a despedida de solteira. Apesar de sermos grandes amigas, somos bastantes diferentes e na hora de pensar em despedida de solteira eu não me via inserida no ambiente da noite, da festa, da maquiagem, das bebidas e inclusive já declinei duas despedidas de grandes amigas por não gostar deste tipo de ambiente e não me sentir bem.

Há alguns anos atrás eu conheci o montanhismo, mas sempre fui adepta de outros esportes e sempre gostei de estar outdoor, com bike, com kayak e dentro das minhas possibilidades eu frequentemente explorava além dos limites urbanos. Por muitas vezes refleti sobre as mudanças da minha vida, dificuldades e sobre decisões difíceis que deveria tomar em lugares que eu estivesse só e que fossem ambientes naturais. Estar em silêncio contemplando a natureza te traz paz, equilíbrio e você se permite ouvir.

Na trilha, Ana Lívia e Ju.   Ju preparando o jantar.
   

Quando comecei a pensar na despedida da Ana eu sabia que deveria me esforçar para ser especial e marcante para ela, e porque não fazer algo não convencional? Certo dia, durante um café propus às duas amigas uma viagem a um dos lugares que mais gosto, o Parque Nacional do Itatiaia, um refúgio de pura natureza em meio às montanhas, água cristalina, Mata Atlântica e paisagens fantásticas. Propus a “Travessia do Rancho Caído” de 2 dias em que teríamos que caminhar 30 km, com um acampamento selvagem. Seria a primeira experiência da noiva e da Ju no montanhismo, elas nunca haviam feito nada parecido. Surpreendentemente a primeira resposta que obtive foi sim e fomos amadurecendo a ideia, roteiro e logística.

Uma travessia em ambiente de montanha demanda o mínimo de treinamento físico, força para carregar uma mochila com todos os equipamentos necessários que se usa durante o dia, além do seu acampamento que inclui barraca, isolantes térmicos, sacos de dormir, a cozinha, a comida, primeiros socorros, lanternas de mão, lanternas de cabeça e roupas técnicas de frio. Além dos equipamentos a serem carregados você também precisa de uma certa dose de perseverança para continuar a caminhada apesar do cansaço, dores, do sol ou do frio.

Não há muitas opções de desistência nas travessias, o resgate dentro do Parque só é realizado em ocasiões graves e mesmo assim, os resgates são bastante difíceis de serem feitos.

Antes da nossa viagem, as meninas disseram estar um pouco temerosas em relação à travessia. “Como é na hora de dormir?” “Como eu vou no banheiro à noite?” “E se algum bicho atacar a gente?”. Apesar de eu saber que eram preocupações pouco graves eu me coloquei na pele delas por alguns momentos e percebi que apesar da travessia ser simples e indicada para iniciantes, para elas seriam uma grande aventura!

Me senti bastante responsável por elas, tanto em guiá-las durante o percurso, quanto sobre tornar o trajeto mais agradável possível, diminuindo qualquer chance de perrengue!

Chegado o dia “D”, descemos na portaria da parte alta do Parque Nacional do Itatiaia, colocamos nossas mochilas e finalizamos o visual vestindo um véu de noiva! Queríamos que todos soubessem deste nosso grande momento: a despedida de solteiro da Ana Livia, uma despedida outdoor!

Andamos em direção ao abrigo Rebouças, enchemos as nossas garrafas d´água e desde então, os visitantes do parque já estavam curiosos sobre o véu! A noiva recebeu durante toda a trilha muitos cumprimentos, ouviu muitos comentários engraçados, inclusive de um senhor de quase 70 anos que a adotou por toda a travessia como “a minha noiva”!

O nosso visual realmente estava bastante engraçado, três garotas com botas, calças, jaquetas, grandes mochilas e um fino e delicado véu de noiva! Quem via não entendia e perguntava o porquê o véu! O visual fez tanto sucesso que até tiramos fotos com alguns visitantes!

A partir do abrigo Rebouças a caminhada começou, passamos pela ponte pênsil, contornamos o imponente Pico das Agulhas Negras, passamos pela Pedra do Altar, bastante sugestivo para a ocasião e em uma das bifurcações do caminho, fomos rumo à cachoeira do Rio Aiuruoca. O ambiente de montanha é maravilhoso, você vê grandes formações rochosas, rios, lagos de água pura, pessoas se exercitando, explorando aquela natureza única! Em todo o caminho eu pensava o quanto era incrível estar com minhas duas melhores amigas naquele lugar, como era boa a sensação de dividir uma das coisas que você mais gosta de fazer com pessoas que você ama!

 
Ju, Fernanda Abra e Ju e a noiva Ana Lívia com o véu que chamou a atenção de todos na trilha. Foto: Marcos Rabello
 

Fizemos uma parada na cachoeira de Aiuruoca, recarregamos a água, comemos lanche de trilha e fizemos um pequeno descanso! Ainda teríamos um longo caminho pela frente!

Entre subidas e descidas, lindas paisagens, boas conversas, ótimas risadas e, enfim, havíamos chegado ao nosso acampamento.

Montamos a barraca, organizamos os equipamentos e como estávamos famintas logo fomos preparar o nosso jantar. O jantar começou pontualmente às 18:00 horas, vimos o sol sair de cena e depois vieram a lua e as estrelas nos tirar suspiros. A temperatura caiu rapidamente enquanto cozinhávamos e para brindar o momento eu tinha comprado uma pequena garrafa de vinho que acompanhou o jantar: Purê de batatas com alho e carne seca e risoto milanês!

Há um ditado que diz “o melhor tempero da comida é a fome”, mas modéstia à parte, comemos muito bem, estava saboroso e em boa quantidade!

Chegou o grande momento de entrar na barraca e ver como as garotas se acomodariam para passar a noite, tudo era engraçado e tudo acabava em risadas! Tínhamos ainda uma atividade bastante especial antes de dormir: ler a carta!

Em 2010 escrevemos uma carta para nós mesmas prevendo como estaríamos ou seríamos no futuro. O momento havia chegado, era naquela noite, dentro de uma barraca durante uma despedida de solteira no Parque Nacional do Itatiaia. Com certeza isso não passou nem perto de ser previsto!

Ler a carta foi muito engraçado, vimos o quanto amadurecemos entre 2010 e 2016, ainda estávamos na graduação e tínhamos dúvidas quanto as nossas profissões, relacionamentos amorosos e uma aposta sobre quem iria casar primeiro! O mais engraçado é que acertamos em cheio algumas previsões, mas também erramos bastante em outras!

A maior certeza que havia sido escrito na carta é que a nossa amizade duraria para sempre e que nós éramos irmãs de coração e estaríamos sempre próximas, não importando o que acontecesse.

Dormimos sorridentes, com a barriga cheia e com a certeza que o dia seguinte também nos reservaria grandes momentos.

Nosso acampamento.   Lendo a carta.
   

Acordamos bem cedo para ver o sol nascer, ainda estava bem frio e fomos preparar o nosso café da manhã. Havia outro grupo na área de acampamento e nos convidaram para um café coletivo. Para nossa sorte esse grupo tinha o hábito de fazer diversos tipos de comidas e em grandes quantidades para o café! Comemos ovos mexidos, bolachas, pão com queijo quente, café preto e ficamos bastante satisfeitas!

Desfizemos o acampamento rapidamente, organizamos tudo e continuamos a nossa caminhada. A segunda parte da travessia do Rancho Caído é bastante diferente da primeira, o ambiente árido de montanha do primeiro dia é substituído por grandes paisagens florestais, ainda com subidas e descidas, mas a caminhada é majoritariamente feita dentro da floresta!

O nosso destino final seria chegar em Maromba, a comida já tinha se acabado e para as meninas o peso da mochila e o cansaço já estava levando a ativar aquela último botão, o da persistência! Propus que quando chegássemos perto da vila eu poderia pedir carona para aliviar a caminhada, mas a Ju soltou um belo NÃO, dizendo “já cheguei até aqui e agora vou até o final! ”. Mesmo com dores nos joelhos e cansadas do sobe e desce, os limites foram superados e desta forma chegamos à vila de Maromba e continuamos a andar até sermos resgatadas. Quase chegando à vila, um carro parou atrás de nós três e perguntou “É por aqui que vai pra Bauru?”, o nosso resgatista, Luiz Antônio Gambá, tirou três grandes sorrisos neste momento. Pronto, a travessia havia terminado!

Comemoramos com um belo almoço em Visconde de Mauá e retornamos à São Paulo.

 
A noiva Ana Lívia, Fernanda Abra e Ju, na travessia do Rancho Caído, no Parque Nacional do Itatiaia.
 

Como dito no início deste texto, as pessoas geralmente acreditam que a despedida de solteira é um marco na vida de quem vai casar, onde se desapega das coisas de solteiro para iniciar as coisas de casado. Acredito que a despedida de solteira da Ana Lívia teve um significado diferente, somos amigas na vida de solteira, seremos amigas na vida de casadas e não importa o que acontecer, estaremos sempre juntas para superar qualquer desafio. Quando os problemas vierem lembraremos do grande NÂO da Jú, “cheguei até aqui, estou com as minhas amigas e vou em frente – eu vou até o fim”!

Nestes dois dias, aproveitamos ao máximo as nossas companhias, sem celular, sem internet, sem tv, computador ou qualquer outra coisa que fosse nos roubar umas das outras. Ficamos juntas, nos ajudamos, rimos, dormimos, caminhamos juntas e assim será, para sempre!

Tivemos a coragem de sair do comum e sob o céu estrelado do Itatiaia selamos mais uma vez a nossa amizade e, principalmente, essa fase tão especial da nossa querida amiga Ana Lívia!

Que venham as nossas próximas aventuras!

 

Fernanda Abra

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