“It´s an eden!” (Isso é um éden!). Copyright by Marcel Huijser
“It´s an eden!” (Isso é um éden!)
Foi a primeira coisa que o Marcel Huijser disse quando entramos na MS-170 e viu uma revoada de garças em meio aos colhereiros e jaburus; depois vieram os periquitos as araras azuis e as vermelhas!
Ter citado “MS-170” te dá a lógica impressão que estamos falando de uma rodovia estadual sul mato-grossense, correto? Errado!
A MS-170 é uma estrada precária, de chão batido que, em meio às lagoas temporárias que devemos atravessar, às árvores caídas pelo caminho, à veados atravessando na frente do carro e aos desníveis mais insanos que você pode esperar, é a via que usamos para chegar em um acampamento que armamos na beira de uma lagoa salina, ainda em território de Aquidauana e dentro de propriedade de um amigo conservacionista – o qual era nosso destino final.
Essa viagem foi realizada em julho de 2016 com o objetivo de contemplar a biodiversidade pantaneira, de encher os olhos com as cores, tamanhos e diferentes formas de vida que poderíamos encontrar nesse rico e importante bioma brasileiro. Éramos cinco tripulantes, o Peter Crawshaw o melhor guia que alguém pode desejar para ver onças pintadas, o Marcel Huijser, um pesquisador holandês especialista no tema de atropelamentos de fauna em rodovias, Bethanie Walder, sua esposa e diretora executiva da Society of Ecological Restoration (Sociedade de Restauração Ecológica), eu e a minha mãe, dona Sônia, já famosa aqui no Extremos por me acompanhar nas aventuras!
Percorremos aproximadamente 100 km a partir de Aquidauana no sentido norte, adentrando o interior do Pantanal Sul matogrossense o que nos rendeu aproximadamente cinco horas de viagem bastante exaustivas.
Sunset. Copyright by Marcel Huijser
Nosso acampamento e a Mitsubishi 4x4 L200 Triton Savana. Copyright by Marcel Huijser
As preocupações de estar em uma estrada sem o menor recurso de resgate, apoio mecânico e sinal telefônico foram compensadas com a certeza que estávamos com o veículo mais adequado para a ocasião e para aquele tipo de terreno. A logística difícil do Pantanal é realizada apenas para quem voa ou para quem tem os grandes 4 x4, como a nossa Triton Savana da Mitsubishi. Os desafios da estrada tornaram realidade aqueles comerciais de 4x4 que vemos na tv - são rios, lagos, lagoas, atoleiros, terrenos irregulares e lama, muita lama a serem superados.
Algumas lagoas que atravessamos eram tão profundas que eu servia como cobaia para testar as profundidades antes do carro passar. Lagoas mais profundas que um metro nos forçavam a procurar percursos alternativos de travessia. A MS-170 não apresenta uma rota bem definida, não há placas, referências e indicações e neste caso você tem que ter um bom navegador e alguém que saiba interpretar os caminhos pantaneiros e ser bastante astuto para improvisar alternativas.
Ao final do nosso trajeto e chegando no nosso local de acampamento, fomos agraciados pelo estonteante pôr do sol, uma beleza bastante incomum para quem mora nos grandes centros urbanos. Além do pôr do sol, nos acompanhava o barulho dos bichos, a brisa suave e só.
Fernanda Abra sem frescuras para medir a profundidade dos rios no Pantanal Mato Grosso do Sul Brasil. Copyright by Marcel Huijser
Descarregamos o carro, montamos nosso acampamento e fizemos o jantar. Seria a nossa primeira noite no “éden pantaneiro”. Ficaríamos três dias acampados e depois iríamos a uma Fazenda próxima, para conhecer o Projeto “Onças do Rio Negro”. Nesses dias teríamos grandes chances de encontro com o maior predador brasileiro, a nossa linda onça pintada.
Os dias de acampamento foram inesquecíveis, é incrível como a ausência de sinal telefônico, tv e internet aumenta a interação entre as pessoas. Conversamos, cantamos, contamos piadas, causos e histórias das nossas vidas. Acordávamos com o som das aves, fazíamos o nosso café da manhã, fazíamos trilhas a pé ou percorríamos distâncias maiores de carro, à procura de vida selvagem durante todo o dia e também à noite.
A noite era um momento especial, saíamos pelas estradas de terra e o Peter fazia funcionar o seu esturrador – um aparelho de madeira e coro de boi que imita a vocalização da onça pintada, chamado “esturro”.
Se a adrenalina de esperar pela resposta do animal já era alta, eu ficava imaginando como seria o real encontro de ver um gatão pintado surgindo em meio ao breu!
Projeto onças do Rio Negro. Copyright by Marcel Huijser
Peter Crawshaw tocando o esturrador. Copyright by Marcel Huijser
Um dos momentos mais marcantes da minha vida foi ter visto um lindo macho de onça pintada em 2015, o “Sossego”, bastante conhecido na região do Rio Negro. Eu estava de barco e o avistei deitado, cochilando, na praia. Foram 30 minutos de observação, 30 ricos minutos de observação de uma beleza sem igual, do maior símbolo de força entre todas as espécies da fauna brasileira. Um animal calmo, tranquilo que ao ficar um pouco perturbado com a nossa presença, simplesmente virou de costas para nós e continuou a dormir.
A onça pintada sabe que é o maior predador, não há nenhuma outra espécie que a supere - em seu domínio sobre o meio em que vive, com uma única exceção: o homem. E assim aconteceu com o Sossego, foi morto pela vaidade humana, pela ignorância e pela covardia do uso de arma de fogo. O apertar de um gatilho, um simples gatilho superou os milhões de anos que esculpiram a onça pintada como o maior predador das florestas tropicais americanas.
Por essas e outras situações semelhantes que projetos como “Onças do Rio Negro” são tão importantes no Pantanal e em todos os outros biomas de ocorrência da grande pintada. O estudo é resultado da união de algumas Fazendas no sul Matogrossense, próximas ao Rio Negro, que cobrem mais de 100 mil hectares na intenção de proteção para o grande felino. Os objetivos compreendem obter informações sobre a onça-pintada em área de produção pecuária e de turismo no Pantanal do Rio Negro - MS. Com os resultados espera-se caracterizar um modelo de propriedade rural que favoreça melhores condições de coexistência entre as onças-pintadas, pecuaristas e turistas, além de formar uma educação ambiental contínua na região.
Atravessando o Rio Negro. Copyright by Marcel Huijser
Acampamento. Copyright by Marcel Huijser
Espero que projetos como esse sempre cresçam e se multipliquem no Brasil!
Infelizmente, nesta nova expedição ao Pantanal não conseguimos avistar nenhum desses felinos. Mas sabemos que é assim que funciona a observação de vida selvagem, às vezes damos sorte, às vezes, não. Apesar das incertezas, essa é a melhor forma de contemplação dos nossos bichos, sem perturbar os ambientes, os animais e para que se mantenha o equilíbrio da vida como ela deve ser.
Expedição sem onças, mas presenciamos uma cena impagável. Em uma das estradas avistamos um veado catingueiro, imóvel. Tão imóvel que o Marcel Huijser pode tirar várias fotos do animal a uma distância relativamente pequena. Ficou bastante claro que o veado não estava se preocupando conosco, mas sim havia outra coisa acontecendo que ainda não tínhamos entendido. O veado totalmente paralisado, com as orelhas para trás, olhava na direção de alguns arbustos e para a nossa surpresa, um cachorro do mato apareceu, a menos de dez metros do veado!
No Pantanal é possível fazer esses tipos de enquadramentos com mais de uma espécie nas fotos, e essa cena vou guardar pelo resto da vida! O cachorro passou por trás do veado, os dois se olhando o tempo todo. Foi um encontro incrível!
Só a paisagem do Pantanal já é de tirar o fôlego, mas a observação da vida selvagem é tão rica que eu ouso dizer que você não fica cinco minutos sem ouvir ou ver um animal onde quer que você esteja – em áreas abertas, próximo aos rios ou aos capões de mata. Realmente a abundância de vida do Pantanal é incomparável aos outros biomas brasileiros. Muita água, muita vegetação, muita fauna, muita vida e muita beleza. O Pantanal é o bioma da fartura.
Enquanto acampados, instalamos três armadilhas fotográficas e fizemos dois bons registros: queixadas e uma anta!
Após os três dias de acampamento nos hospedamos em uma das Fazendas parceiras do Projeto Onças do Rio Negro e continuamos nossas buscas. Na Fazenda haviam canoas canadenses, da Companhia de Canoagem, e pudemos remar pelo Rio Negro a procura de animais.
Expedição ao Pantanal Sul para observação de Fauna
Nos próximos dois dias também percorremos o rio de barco à motor, mas o único sinal das pintadas foram rastros recentes nas praias.
Mais uma vez, estar no Pantanal foi incrível, mesmo sem a visão das onças. Na hora da partida, ficou aquele gosto de “quero mais”, a vontade de continuar explorando esse ecossistema incrível. Infelizmente, tivemos que voltar para a selva urbana, mas já fazendo planos para novas visitas a esse paraíso, e desta vez, quem sabe, as onças estarão nos esperando, na próxima curva do rio?
Agradecimento especial a Mitsubishi Motors do Brasil
Fernanda Abra