Qualquer família pode se beneficiar ao incluir seus filhos em atividades outdoor. Para isso, não precisa ser nem atleta (nós não somos) nem radical: mesmo morando em uma grande cidade e com uma rotina puxada de trabalho e estudo, procuramos criar oportunidades para vivências ativas e ao ar livre – desde ir à pé para a escola até nossas escolhas de viagens.
Mas e quando os pais são atletas e respiram atividades outdoor? Para conhecer o olhar de quem tem a aventura como profissão, convidamos o Rafael Campos para compartilhar suas experiências com os leitores deste espaço #BringYourKids.
Rafael é uma referência nos esportes outdoor. Capitão da QuasarLontra, a principal e mais longeva equipe de corridas de aventura (atuante desde que a modalidade existe no Brasil, em 1998), acabou de sagrar-se campeão da edição 2018 do El Origen, corrida de trail run que percorreu o entorno do Aconcágua, na Argentina.
Sua atuação também é reconhecida nos bastidores de importantes eventos, atuando como Diretor Técnico em provas como Brasil Ride e KTR – Kailash Trail Running, além de ser um dos organizadores do acampamento de férias da revista Go Outside, que promove vivências outdoor para crianças.
Por trás deste profissional do esporte há um pai empenhado em compartilhar suas experiências com sua esposa Gláucia e a pequenina Manu. Competindo, treinando, passeando ou trabalhando, Rafael e sua família estão sempre em contato direto e intenso com natureza.
De onde surgiu seu interesse por atividades outdoor?
Desde criança, sempre fui aficionado por esportes e acampava com meus pais. Na juventude, com maior independência e maturidade, buscava explorar trilhas, lugares novos, praticar esportes ao ar livre… Com o surgimento das “corridas de aventura” (que une esporte, atividades ao ar livre e competição), eu me encontrei. Foi neste meio que conheci minha esposa Glaucia, e desde então sempre nos envolvemos em atividades no mundo outdoor.
E quando a família cresceu, como esta relação se estabeleceu com sua filha? Como está se dando esta "inserção" nas atividades que vocês costumam praticar?
Com o nascimento da Manuela, naturalmente nossas prioridades e administração do tempo mudaram. Mas eu quis inseri-la no esporte e atividades ao ar livre desde bebê – não só porque me permitiria continuar a correr, pedalar, remar, fazer viagens de aventura e explorar novos lugares, mas também porque eu gostaria de dar a oportunidade para ela também conhecer tais atividades desde cedo. Ao invés de parar ou diminuir as atividades ao ar livre que fazia por conta da nova integrante, decidi buscar as soluções para incluí-la e envolvê-la.
Quando a Manu tinha 4 meses eu já saia para correr levando-a no carrinho, o que ela sempre aceitou muito bem. Com 7 meses, eu caminhava com ela na mochila, em trilhas, subindo montanhas ou fazendo viagens. E à medida em que ela vai crescendo, vou inserindo novas atividades possíveis de fazer com ela.
Como é o engajamento da Manu nas propostas de vocês? Como você percebe a resposta dela e o impacto no seu desenvolvimento?
Desde bebê ela demonstra gostar muito, mesmo quando ainda não falava. Lógico que tenho o cuidado de avaliar condições de clima, tempo de atividade, riscos – e preparar as coisas para que seja sempre divertido e confortável para ela. Respeitando as necessidades básicas (comida, leite, fralda), foi fácil adaptá-la. Para ela, tudo isso soa natural: hoje, com seus 3 anos e já falando bastante, ela opina se prefere sair pra correr ou andar de bike, relata as experiências aos amiguinhos – e muitas vezes os convida para participar.
Como nestas atividades consigo oferecer muitos e variados estímulos, notamos que seu desenvolvimento tem sido excelente. A Manuela demonstra ter ótimo senso de direção, boa memória fotográfica, percebe e fala de sons da natureza e pássaros, aprecia plantas, gosta de animais. Além disso, demonstra muita autonomia, e quer fazer muitas atividades sozinhas. Estes estímulos desde cedo também ajudaram a que gostasse de caminhar em trilhas, viajar, andar de bicicleta, patinete, caiaque…
Uma situação recente foi emblemática: eu tinha anunciado que iria levá-la para correr comigo, mas então começou a chover e eu disse que era melhor ela não ir mais comigo – ao que ela me respondeu, com toda a simplicidade: “mas papai, coloca a capa e vamos!” Foi ótimo ouvir isso! Coloquei a capa de chuva no carrinho e saímos juntos para correr na chuva.
Como avalia essas vivências na natureza em família? No que elas contribuem nas suas relações familiares?
São atividades que valorizo muito, pois são maneiras de conviver em família com hábitos saudáveis, respeitando a natureza, praticando esporte, e em lugares agradáveis. É uma forma também de viver plenamente com a família: neste ambiente nós conversamos, temos oportunidade de ensinar e também passar por situações que futuramente a Manu enfrentará, como lidar com adversidades e com o desconhecido, ser solidária, entender limites… Além disso, vejo que estas atividades fortalecem nossa relação, o respeito e confiança.
Quais foram os momentos mais especiais que a prática de atividades outdoor proporcionou a vocês?
Uma das situações marcantes para nós foi em uma das viagens à Patagônia, para San Martin de Los Andes, quando fui participar de uma corrida de montanhas em etapas, o “El Origen”. Eu estava inscrito para a prova e com passagens compradas com antecedência para toda a família, mas uma lesão na véspera (fascite plantar) me impediria de participar da competição buscando performance. Então decidi fazer a prova levando a Manuela em uma mochila própria para carregar crianças – a Sapling, da Thule.
Foram 3 dias de prova em trilhas por montanhas e lugares incríveis, rodeados de bosques, e a Manuela fez metade do percurso na mochila. Passar por cenários tão especiais com ela junto foi uma experiência incrível e enriquecedora! Quando voltamos, na hora de dormir, por meses a Manuela pedia para contar as "histórias da Patagônia”, onde eu ficava relembrando por onde passamos, o que vimos e vivenciamos juntos.
Mas não é preciso ir longe para ter momentos especiais. Nos domingos em que permanecemos em São Paulo, procuro sair com ela pra pedalar, levando-a na cadeirinha ou em um bike trailer. Ela gosta tanto que acabou convencendo as famílias de amiguinhos a também adquirir equipamentos para passearmos juntos. Um destes passeios especiais foi circular por toda a cidade de bicicleta para ver as luzes e decorações de Natal – foram quase 3 horas, parando em lugares estratégicos, em que ela enlouqueceu com tudo o que viu.
No Brasil, temos hoje um número crescente de competições em ambientes naturais, inclusive algumas com atividades específicas para crianças. Como você enxerga este movimento – e a relação das crianças com esses eventos?
O número de corridas de rua com a participação de crianças tem crescido. Acho que é uma ótima iniciativa para estimular as crianças a criarem hábitos saudáveis e interesse pelo esporte – se praticam desde pequenas, isso se torna algo natural e que devem levar para toda a vida, o que resultará em adultos mais saudáveis.
Sou diretor técnico de provas de trail run (KTR – Kailash Trail Run e Brasil Ride) onde colocamos a “corrida kids”. Não há competição, mas estimulamos as crianças a participar de uma corrida em trilhas, passando por obstáculos naturais. Neste ambiente, elas assistem os adultos participarem e se inspiram neles. Quando participam, sentem o gostinho: recebem camiseta de corredor e medalha ao cruzar a linha de chegada, tiram foto no pódio, recebem incentivo e aplausos calorosos de quem acompanha o evento… E, além disso tudo, é muito divertido!
Também participo como instrutor do “Acampamento Go Outside de aventura”, em que crianças de 6 a 13 anos ficam conosco durante uma semana, acampadas em uma fazenda com muita mata. Elas têm a oportunidade de dormir em barracas, fazer trilhas a pé e de bike, remar caiaques e botes de rafting, praticar escalada e tirolesa, criar noções de navegação com mapa e bússola – além de brincadeiras tradicionais e roda de fogueira… Tudo isso acompanhadas por uma equipe qualificada e que conhece e gosta de atividades de aventura. É super enriquecedor, e fantástico para o desenvolvimento dos pequenos: além dos motivos que já mencionei, ajudam muito no relacionamento entre as próprias crianças, a desenvolver o respeito e novas habilidades, a lidar com medo e frustrações, a terem mais independência e responsabilidade. Pelo feedback dos pais quando recebem os filhos de volta, o “salto” no desenvolvimento destas crianças que participam do acampamento é nítido! Como eu e minha esposa estamos envolvidos no projeto e desde cedo levamos nossa filha, ela passa meses perguntando pelo “acampamento de aventura”.
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Muitas famílias desconsideram atividades outdoor com os filhos por achar que as crianças não estão preparadas, ou por receio de que algo dê errado. Que atividades são indicadas por quem quer começar? Quais suas dicas para quem quer incluir os filhos num contexto de vida mais ativa – não necessariamente competitiva?
É natural pais terem medo e/ou receio, principalmente aqueles que não tinham estes hábitos antes de terem filhos – obviamente, o grau de “aventura” ou atividade ao ar livre a se colocar a criança deve ser proporcional também à experiência anterior dos pais. Na verdade, “preparado” nenhum de nós nasceu, vamos aprendendo com a prática – mas quanto antes dermos estas oportunidades a nossos filhos, mais cedo eles se desenvolverão.
As atividades que sugiro para quem quer começar:
• caminhar ou correr com carrinho infantil em praças, parques, trilhas, lugares em meio à natureza e agradáveis – e também estimulá-las a caminhar/correr um pouco ao longo do percurso.
• levar as crianças em cadeirinhas de bike ou no bike trailer por praças, parques, ciclovia, condomínios fechados – ir a locais onde tem parquinhos é sempre um grande estímulo, pois elas associarão as atividades; e quando chegar o momento, estimular a pedalarem bikes apropriadas para seu tamanho.
• passear por parques com trilhas mostrando cada um dos elementos naturais (plantas, pássaros, bichos, cheiros, barulhos), e organizar picnics com outros amigos em ambientes naturais.
É importante analisar primeiramente questões de segurança, como os equipamentos que usarão e os de proteção individual (capacete, luva) dos pais e da criança, e se planejar quanto às condições meteorológicas, levando roupa adequada, boné, protetor solar, repelente, óculos. Também cuidar da alimentação e hidratação, levando sempre um lanche ou comida, água, suco, lenço umedecido e fraldas (contando com imprevistos). Por fim, lembrar que ao levar as crianças em cadeirinha, carrinho e mochila, nós estamos em atividade e aquecidos, mas as crianças estarão estáticas e podem passar frio.
Sua mensagem final aos pais que querem incluir seus filhos em atividades outdoor.
Geralmente, para sairmos sozinhos para fazer qualquer atividade esportiva ao ar livre, é necessário rompermos a barreira inicial da nossa “zona de conforto”. Para levar crianças junto, onde os cuidados e preparo são ainda maiores, esta “barreira” também é maior. Mas é uma questão de hábito: uma vez rompida, rapidamente notamos uma enorme satisfação – os benefício e os resultados são imensuráveis! Então, quando for planejar a atividade com seu filho no fim de semana, não delegue nem se intimide: comece já, é mais simples do que parece!
Acompanhe as atividades do Rafael Campos:
Site: www.rafaelcampos.esp.br
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Instagram: @rafaelcampos01
Fabio Nitschke Gomes
apaixonado por bicicleta, viagens e atividades outdoor em família – já percorreu mais de 4 mil km em passeios de bike e cicloviagens com seus filhos pequenos, incluindo a travessia dos Alpes da Alemanha até a Itália. Embaixador Thule da linha Active with Kids e um dos idealizadores do movimento #BringYourKids, compartilha suas vivências no seu blog ATIVITAE para estimular que mais famílias incluam atividades outdoor com os filhos em suas escolhas. |