Planejava escalar o Ishinca, acordei as 2 horas da manhã, abri os zíperes da barraca e não gostei nada do que vi. As montanhas estavam com nuvens no meio da noite o que não era bom sinal.
Normalmente, na temporada, a noite permanece limpa, cheia de estrelas ou iluminada pelo luar com o eterno frio intenso de altitude. Durante o dia, as nuvens começam a aparecer na metade da manhã e desaparecem no final da tarde, isso quando elas insistem em aparecer.
Voltei a dormir.
Acordei pela manhã e uma sueca me disse que poderia subir o Urus durante o dia. Coloquei as botas, peguei o kit ataque com comida e água, e parti.
A Quebrada Ishinca abriga o acampamento base para montanhas como Urus e Ishinca que podem ser feitas em um dia e Tocllaraju e Ranrapalca com um nível de dificuldade superior.
Quebradas são vales, utilizados para a aproximação das rotas de escaladas ou para caminhadas como Quebrada Santa Cruz, vale da famosa caminhada homônima.
Urus Leste 5420m
A subida é bem íngreme por uma aresta da montanha. Após uma hora, alcancei dois eslovenos: Miha e Anze. Eles faziam a ascensão ao Urus para aclimatação, como muitos. Eu, porque era melhor do que não fazer nada...
Subimos por mais algumas horas para finalmente alcançarmos um misto de neve e rochas.
Colocamos os crampons e os trechos foram se intercalando: neve - rocha - neve, até alcançar a fase final de pura rocha.
Cinco horas de subida do acampamento base (seis para os eslovenos), chegamos ao cume com o tempo totalmente encoberto.
Tocllaraju 6032m
Conheci um ucraniano, Serguei ou Sergio para as línguas latinas, e resolvi amenizar as despesas dele com o guia que havia contratado para escalar o Tocllaraju.
A montanha é linda, piramidal com uma cornisa enorme em seu cume.
Arrumei a mochila para dois dias e partimos tranquilamente as dez horas da manhã.
A subida começa beirando o rio que desce da glaciar do Tocllaraju, depois a trilha vira para a esquerda por um zigue e zague morena acima. Quanto mais subimos, maiores as pedras se tornam e o equilíbrio usando as botas rígidas de plástico é fundamental.
Caminhamos por três horas e meia desde o acampamento base para chegar no acampamento morena.
Sergio preferiu acampar ali mesmo, o que acabou sendo uma boa decisão. Um grupo continuou a caminhada em direção a um acampamento superior distante a menos de uma hora glaciar acima.
Descansamos, comemos, tiramos fotos e finalizamos a mamata com um delicioso chá marroquino que Sergio tinha trazido na bagagem.
Eu, com receio da montanha e por acampar um pouco mais baixo, sugeri para sairmos um pouco mais cedo, a 1 hora da manhã. Não era mais uma escalada básica, o Tocllaraju tem um nível de dificuldade classificado como D, devido a sua pirâmide final.
Começamos a escalada por rampas cuja inclinação fica em torno dos 40 graus. Cruzamos e saltamos gretas sem enxergar o perigo que passávamos. No meio do caminho há uma parede de uns cinco metros com inclinação de 70 graus, para alcancá-la passei um sufoco... A fissura abaixo sem fim deixa qualquer um tenso. Essa hora, meus dedos congelaram e na volta de circulação do sangue, chorei de dor.
As subidas foram intermináveis, parando apenas para recuperar a respiração. De repente... um estrondo! Avalanche! Parece que ocorreu um pouco mais atrás, não dava para saber ao certo com a escuridão. Um pouco mais acima... De novo! Dessa vez ao nosso lado, com certeza!
Chegamos na pirâmide final amanhecendo. Com inclinação em torno dos 50-60 graus foram uns vinte metros escalando com meu piolet de marcha.
Chegamos ao cume com vista limpa para os nevados Copa, Huascaran, Chopicalqui entre outros. O vento e o frio não deixou que ficássemos muito tempo apesar de sermos os únicos que chegaram ali naquele dia.
Na descida, a tormenta. Um vento tão forte que me derrubou duas vezes durante a caminhada de volta! Chamuscando de neve nossos míseros corpos, congelando os ossos, descemos a montanha nessa nevasca intermitente.
Agradeci ao chegar no acampamento morena, apesar do meu nariz congestionar totalmente. Parecia que estava em um sistema de descongelamento. Voltamos para o acampamento base e no dia seguinte para Huaraz, onde passei os dias me recuperando do episódio. |