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CROQUI - Clique para ampliar o croqui da via. Arte: Edemilson Padilha. |
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Quando a gente vai ficando velho, as pessoas nos dizem para pararmos de fazer coisas de adolescentes. Eis que num sábado à noite, tarde da noite, enquanto a maioria das pessoas está em sua casa debaixo das cobertas assistindo filme, eu e o Val, meu parceiro de roubadas, estamos nos arrastando no barro tentando achar uma forma de sair de um labirinto de cipós e espinhos, para onde fomos de nossa livre, “idiota” e espontânea vontade.
Quase quarenta anos se passaram e alguém poderia me explicar porque continuamos a fazer estas coisas? Acho que não. Era sexta feira quando perguntei ao Val porque não poderíamos aproveitar o fim de semana e escalar algo grande. Sugeri o Ibitirati pela via normal, mas o Val, valentão, retrucou: vamos fazer alguma escalada pra macho! Aí que “foi o boi ca corda”, como dizem lá no Boqueirão, subúrbio longínquo de Curitiba.
Às 4 da madrugada pegamos a estrada. E às 6:30h começamos a subir os 1000 metros de desnível até a base da via, que só depois de muita luta e 4 horas e meia de caminhada foi que conseguimos atingir. Onze da manhã, sol forte, vento, muita água na mochila e partimos pra segunda e mais divertida parte da aventura: a escalada. Larguei na frente e quando a corda estava com uns 30 ou 40 metros o Val me seguiu em simultâneo, ou seja, os dois escalando ao mesmo tempo. Fizemos 4 cordadas (quase 200 metros) neste estilo. Num dos crux fiquei numa chapa dando segurança para o parceiro, pois se ele caísse me puxaria para baixo, depois segui e na terceira cordada, que só tem 3 proteções, não encontrei uma delas... Juntamo-nos no grande platô na base da quinta cordada. Daí por diante seguimos de maneira tradicional, enquanto um escalava o outro dava segurança e filmava.
A gente achava até que tinha perdido as manhas, mas até que não. Mesmo com os bofes para fora seguíamos de peito estufado, com a mesma vibe da primeira vez que tínhamos passado por ali. Sofrendo para guiar as partes em que a rocha estava meio craquelenta, talvez devido ao grande período chuvoso de algumas semanas atrás. Quando o sol se escondeu pusemos os anoraques, pois ventava e alcançamos a P9 (parada 9). Dali em diante só faltavam uma cordada bem difícil e uma bem fácil. O Val se prontificou para guiar a cordada crux, pois queria mandá-la em livre novamente. Quando estava a ponto de conseguir se desequilibrou e voou. Eu meio distraído, pois obviamente estava filmando, deixei uma barriga na corda e ele tirou brevê. Bateu a bacia na pedra e ficou dolorido, mas voltou lá e passou o lance.
Chegamos ao final da escalada com um clima magnífico e um visual alucinante das montanhas e do mar. Às 6 da tarde terminamos os rapéis, e, com as lanternas de cabeça ligadas, começamos a descida. Foi um desastre, meia hora descendo e nos perdemos. Aí não tínhamos alternativa, era pegar o primeiro rio e descer, pois ele cortaria a trilha. Mas é óbvio que pegamos o mais longo e acidentado. Foi uma hora e meia de suplício. Caminhávamos uns metros e aparecia uma cachoeira que nos obrigava a desviar pelas margens, depois a vegetação fechava e tínhamos de nos arrastar sob troncos e cipós, também encontramos lama, lajes escorregadias, ou seja, desastre total.
No fim, chegamos os dois mancando até o carro e, não sei de que maneira, dirigimos até Curitiba. Pelo estado de nossas roupas era de se notar que não somos muito maduros para nossas idades, mas todos têm defeitos. Uns bebem demais, outros assistem TV demais, alguns falam demais e nós, gostamos é de sofrer!!!
Edemilson Padilha
www.conquistamontanhismo.com.br
Info:
Via Deus e o Diabo, 500m, 8a (A1). Localizada na montanha chamada Ferraria, na Serra do Mar Paranaense. Conquistadores: Edemilson Padilha, Alexandre Lorenzetto, Marcus França, Valdesir Machado e Willian Lacerda. O acesso à base da via é complicado, melhor ir com alguém que conhece o caminho. |