Quando a gente viaja para um país como o Mali sempre devemos ter a mente aberta para não sermos preconceituosos em relação aos costumes e à cultura local. Mesmo me preparando psicologicamente foi muito impactante chegar ao aeroporto da capital Bamako e encontrar todo aquele caos. Gente falando alto, outros andando atrás de você oferecendo taxi, câmbio, hotel, etc. Mas o que mais me impressionou foi entrar no taxi e ouvir “Ai se eu te pego” tocando na rádio local.
Dois dias depois já estava mais acostumado com a maneira como as pessoas discutem por qualquer coisa aos berros e depois apertam as mãos como se nada tivesse acontecido. Após uma longa viagem de carro de quase 1000 quilômetros pela savana africana, acordamos em Hombori. Fiquei bastante aturdido quando conversamos com o dono do hotel onde passamos a noite e este nos disse com lágrimas nos olhos que a cidade não era segura. Contou-nos que não havia polícia ali e que nosso carro com três estrangeiros dentro era muito visado pelos rebeldes que agiam na região. Meia hora depois deixamos Hombori em direção a Daari, onde está o complexo de montanhas chamado Mão de Fátima. Sob protestos de nosso motorista, paramos na base da Mão de Fátima. Ali conversamos com um casal que cuidava do único camping das redondezas. Eles nos disseram o mesmo que o dono do hotel: não nos permitiriam ficar! Temiam pela nossa segurança e pela deles. Se abrigassem os estrangeiros certamente sofreriam retaliações da parte dos rebeldes. O mesmo aconteceria em relação à tribo que havia do outro lado da cadeia de montanhas. Eles não permitiriam que escalássemos. Depois de tantos avisos sentimos que seria falta de precaução insistir na escalada das torres da Mão de Fátima. Afinal, por dezenas de quilômetros havíamos visualizado boas paredes tão bonitas aquelas e partimos em busca de uma montanha singular. Foi assim que um imprevisto nos levou a encontrar algo ainda mais intrigante: O Conjunto de Montanhas do Éléphant.
Na cidade de Douentza comprei mais carga para o meu chip malitel (companhia de celular do Mali). Ali paramos em um hotel de beira de estrada e nos mostraram uma foto do Éléphant com um croqui de uma via francesa de 400 metros de extensão. Nossos olhos brilharam com a beleza e a verticalidade da montanha. Informaram-nos que o exército tinha uma base na cidade e que deveríamos pedir autorização para escalar. Imagine aquelas cenas de filme com os soldados de raiban de metralhadora a tiracolo preguiçosamente sentados ao lado da estrada. Disseram-nos para esperar para falar com o comandante. Mil e quinhentas explicações depois, partimos para a aldeia no sopé do Éléphant. Lá, mais uma conversa com o chefe da Tribo que nos pediu para trazermos um carregamento de cocô de corvo do topo da montanha. Disse que era para uma cerimônia para espantar os maus espíritos do corpo de algum coitado. Aí começaram a surgir crianças por todos os lados e aonde íamos sempre havia um séquito de seguidores muito animados. Arrumamos as tralhas e nosso guia (Nouhum, que veio conosco desde Bamako) nos disse que contratássemos alguns carregadores da tribo como forma deles poderem ganhar algo com nossa estadia lá. Foi um desastre, em 10 minutos de subida os nossos carregadores já estariam “fatigué” e no final tivemos de subir e descer para buscar as coisas que eles não conseguiram carregar até a base.
Na base da montanha às 14 horas o sol nos derretia. Fazia mais de 40° C e nos escondemos sob uma pedra para esperar o calor amainar antes de iniciarmos a conquista da via. Já tínhamos definido uma bela linha e lá pelas 16 horas o Fernando se encordou e deu o pontapé inicial. Abriu uma cordada direta bem como havíamos planejado. Subi, peguei as peças (friends e stoppers), pois a parede era cheia de fissuras e já nos primeiros metros levei um escorregão. Percebi que a pedra era extremamente lisa e por mais que passasse muito magnésio nas mãos, parecia que ela sempre iria escorregar. Naquele momento eu ainda não sabia que os friends também podiam escorregar, por isso escalei tranquilo até o final daquele esticão de corda, e cumpri o objetivo do dia antes do sol se pôr no deserto do Sahel. O jantar foi mágico, pois estávamos sem comer algo saboroso durante todo aquele longo dia. Já não posso dizer o mesmo sobre a primeira noite no semiárido; ventou muito e tivemos que cobrir o rosto para poder respirar o ar carregado de areia. Nada que um café da manhã não apague da memória!
Continua...
Equipe: Edemilson Padilha, Eliseu Frechou e Fernando Leal
Patrocinadores desta expedição: Conquista, Solo, Snake, Deuter, Liofoods e Bio Brasil |