Não faz muito tempo, eu descobri o prazer de remar stand up paddle e consigo entender porque hoje em dia se tornou um equipamento tão popular e sua prática tão apreciada.
Desde a infância remo caiaques e canoas, passando pelo time de remo por dois anos durante a faculdade, quando remei ioles e canoes, sempre tive muito prazer nessa atividade, mas o remar em pé realmente tem uma sensação diferente.
Essa experiência me fez querer fazer com as pranchas o que eu já fiz muitas vezes de canoas com amigos e grupos de excursionistas por onde passei e assim comecei a praticar com regularidade na represa Guarapiranga, em São Paulo. Após alguma pesquisa, longas conversas e alguns testes, aprendi um pouco sobre a diferença entre os modelos de prancha, o que me levou a escolha de uma híbrida com ancoragem de amarrar bagagem, que atendeu todas as minhas expectativas.
Depois de muitas remadas e surfadas, estava na hora de colocar à prova as características de longo percurso do equipamento e assim segui para Bertioga, para fazer o teste no rio Itapanhaú. Um lindo rio que desce de Mogi das Cruzes até o canal que separa Guarujá de Bertioga, correndo paralelo ao litoral de norte para sul.
A escolha do rio foi influenciada pela facilidade de acesso, pela minha experiência nesse rio oito anos atrás, quando o remei em canoa canadense, pela possibilidade de poder parar em diversos pontos do rio e abortar a viagem e também por ter minha esposa em Bertioga para me resgatar em algum ponto que eu necessitasse.
Comecei a remada próximo a uma estação de tratamento que tem na beira da estrada Mogi-Bertioga, de onde pelos mapas eu teria que percorrer 18,5 km para chegar ao sítio que eu conhecia na beira do rio Itatinga, a dez minutos de caminhada da vila de mesmo nome, onde se encontra uma usina hidroelétrica da CODESP. O horário que comecei já era bem tarde para as condições do rio, que durante a enchente da maré fica com a correnteza no sentido oposto, que aliás, foi o que enfrentei. Subi na prancha às 12:00 e depois de uma hora remando já peguei a corrente contra. No primeiro trecho que remei, como ainda era mais alto não sofria interferência direta da maré alta, mas nos 13 km que vieram depois o esforço não rendia muito, apesar de muito prazeroso, as belas curvas do rio mostravam belas paisagens e águas cristalinas, diferente do trecho mais profundo e de alto volume de águas, neste início as águas eram sempre claras com fundo sempre a vista e com muita vida visível, pequenos peixes e pitus faziam o fundo se mover em momentos. Depois de 10 km rio abaixo o cenário já era totalmente diferente, água escura, longa distância entre as margens e foi quando eu notei uma diferença em remar no standup, a sensação de vulnerabilidade. A canoa ou caiaque, por estarmos dentro da embarcação, sugerem uma situação de segurança por estarmos envolvidos por uma casca. Na prancha isso não acontece, mas existe outro sentimento que é mais presente, o conforto da naturalidade da posição, pois somos bípedes e a plenitude, pelo campo de visão mais elevado.
Em certa altura, depois de três horas remando eu comecei a me preocupar em não chegar com luz do dia ao trecho que eu sabia que não seria fácil, encontrar a subida do rio Itatinga. Nessa parte onde os rios se encontram as águas são profundas, existem pequenas ilhas e grandes lagos por onde o caminho passa no meio de muita vegetação e distâncias grandes, ou seja, um erro de trajeto me tomaria muito tempo remando podendo inviabilizar de encontrar o Itatinga. Foi justamente o que aconteceu, o caminho que eu conheci 8 anos atrás estava alterado, passando por lagos formados pela extração de areia, eu fiquei muito tempo procurando a continuação do rio onde seria mais lógico, mas nesse caso a lógica não era a mesma que a minha e acabei decidindo abortar a ida à vila para continuar no Itapanhaú até a balsa de Bertioga e logo escureceu.
Uma vantagem eu tinha, no fim da tarde até o meio da noite o rio volta a correr para o mar e assim meu esforço rendia mais espaço por tempo e pela previsão eu terminaria o trajeto às 19:30 na balsa, onde ligaria para que minha esposa me buscasse. Depois de uma hora e meia remando após abortar a subida para o sítio, eu avistei no breu das matas uma construção com luzes acesas na margem do rio. Sem enxergar o limite das margens que nesse trecho eram distantes como quase duas vezes o rio Pinheiros, a construção me chamou atenção por duas razões, primeira, parecia ser uma marina e era mesmo, segunda, quando eu me aproximava das margens só via vegetação de mangue sem ver terra, ou seja, se eu precisasse andar ali não seria possível. Enfim remei para a luz, já a havia passado e enfrentei uns 100 metros de corrente contra, que nesse momento era forte, eu remava em 45 graus para atravessar de uma margem à outra. Chegando perto eu vi que havia um píer flutuante de madeira e lá parei, sentei, subi e puxei a prancha para cima, caminhei eu direção ao portão da rampa, já fechado e fui saudado por um nome que não conhecia respondendo, “não é o tal não, estou remando e preciso de um favor”. Logo fui atendido e um funcionário da marina me perguntou de que eu precisava, eu lhe disse que queria apenas uma passagem para a rua para que minha esposa viesse me buscar. Imediatamente vieram mais dois funcionários da marina se oferecendo a carregar minhas bagagens e prancha, fazendo perguntas, abriram umas garrafas de cerveja e começamos a conversar, queriam saber de onde eu vinha e porque estava ali, afinal não é todo dia que alguém decide remar o maior rio do litoral paulista em um SUP. Logo chegou o dono da marina, que não estava no momento que parei e ele se inteirou rapidamente da conversa, mostrei a ele no mapa aonde eu tinha chegado sem encontrar a continuação do rio, que por sua vez me mostrou onde eu deveria procurar a continuação do rio, mostrando também que eu estava a apenas 20 minutos do meu destino pretendido.
Me lembrei nesse momento daquelas histórias de alta montanha, que os alpinistas estão quase no cume e decidem arriscar chegar por estarem bem perto, são aqueles que morrem na montanha, o maior índice de mortes afinal é na volta e não na ida e foi esse meu pensamento quando decidi não continuar, pensei se eu errar de novo não terei segurança para encontrar um trecho do rio sem desvios, assim me senti bem mais confortável em não atacar o “cume” que seria a chegada à vila.
No dia seguinte abri um mapa e comecei a ver trechos onde passei e havia construções na margem do rio e que eram próximos ao encontro dos rios, para não precisar remar todas as 6 horas novamente. Encontrei um local a 1,5 km do encontro dos rios e fui para lá, dessa vez mais cedo para não ser tão atrapalhado pelas marés, em uma hora cheguei ao sítio da Eliane, que me recebeu com enorme alegria, café coado na hora e uma comida de fogão de lenha.
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Águas claras pelo caminho. |
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O sítio da Eliane. |
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Conversamos por quase duas horas, ela me contando as maravilhas e os dessabores de viver ali naquele sítio maravilhoso, além de me dizer histórias da construção da usina e das plantações de banana de seu avô, a região a redor da usina pertence a sua família há mais de 100 anos. Logo apareceu um senhor bem forte com algumas tatuagens, que ela tratou por Índio e ele de fato parecia. Nossa conversa se estendeu mais uma hora, agora eu acompanhava eles se atualizando dos acontecimentos ocorridos na vila, o Índio é segurança da CODESP e cuida dos arredores da vila que hoje tem acesso restrito devido aos frequentes roubos de cabeamento elétrico.
Por volta das 15:40 iniciei meu retorno passando pelos mesmos lugares na maré cheia agora, na ida eu saí durante a maré baixa, fiquei impressionado em como o cenário fica totalmente diferente com a diferença da maré, na alta água escuras, amplos espaços alagados, sem margem de terra ou areia, na baixa águas cristalinas com visual do fundo do rio e suas centenas de árvores submersas, com prainhas de areia por todo percurso do rio.
A natureza em sua sutileza nos ensina como é possível ser uma coisa só e ainda poder ser vários tão diferentes dentro de si. |