Durante o meu treinamento para o Annapurna I nos Alpes em fevereiro de 2012, um amigo escalador que já havia escalado o Annapurna me avisou: não tenha medo Cleo, na hora do cume a montanha escolhe o escalador, o escalador não a escolhe... Só entendi o que ele quiz dizer com isso quando passamos do acampamento 3 rumo ao cume.
No primeiro dia que cheguei ao campo base do Annapurna I fiquei deslumbrada com a quietude e paz que sentia nesse lugar. Geralmente leva uns poucos dias para despejar todo o lixo de dentro da minha cabeça e finalmente encontrar minha cadência na montanha. No Annapurna isso aconteceu de imediato. Meu foco estava 100% na montanha. No segundo dia após nossa chegada no acampamento base tivemos nossa cerimônia de Puja e no dia seguinte levei com o meu Sherpa Kami equipamentos e alimentos para o acampamento 1. No próximo dia dormimos no acampamento 2 e em seguida investigamos nossa rota ao acampamento 3.
Foi no primeiro dia no Annapurna I que eu e os dois escaladores chineses formamos nosso time ao cume. Ninguém quis nos ajudar a fixar as cordas ou contribuir com equipamentos! Tudo foi nosso trabalho e nossos equipamentos. Após dez dias no acampamento base, decidimos fazer nossa primeira tentativa ao cume. Levamos o que podíamos carregar, todo mundo (nosso time de 8) estava com as mochilas super pesadas. Encontramos com o Carlos Soria no C2 e pedi à ele três marcadores emprestados para marcar o caminho dos Sherpas na travessia do Couloir Francês. Ele negou! Nós improvisamos umas bandeiras e os dois rapazes foram fazer o depósito aos pés do Couloir, e voltaram numa neblina com pouquíssima visibilidade. No dia seguinte abrimos a rota até o acampamento 3 e dormimos lá, fizemos uma plataforma na base do serac e armamos uma barraca para o Soria e uma conterrânea dele. Continuamos com nosso trabalho após o acampamento 3 e nos deparamos com uma fenda gigantesca: 12 metros de largura por cerca de duzentos metros de comprimento. Agora, estávamos um pouco desanimados porque a decisão seria continuar com nosso plano de cume ou desistir e encontrar uma maneira de fixar cordas para que todos os outros escaladores na montanha tivessem a mesma chance que nós.
Decidimos todos juntos que iríamos encontrar uma solução para a fenda e que voltaríamos ao acampamento base para reorganizar mais equipamentos. Iríamos ter que aguardar a próxima oportunidade. Passamos a maior parte do dia procurando a ponte de gelo mais forte, finalmente a encontramos e fixamos as cordas. Baixamos um corpo para dentro da greta. Retornamos ao acampamento base direto do C3.
Quando de volta ao acampamento base encontrei com os recém chegados, dois amigos Indianos. O Sr. Kumar me informou que ele estava esperando que eu encontrasse uma janela de tempo perfeita... Com muitos risos, falei para eles que ia tentar o melhor possível. Os Indianos subiram para aclimatar até o acampamento 2 e baixaram. No dia 15 de Abril falei para o Chhang Dawa que meu time estava subindo e que iríamos tentar o cume, ele disse que queria fazer parte do nosso time também. Na mesma noite convidei meus amigos Indianos que ficaram muito felizes com o plano do ataque ao cume.
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Cleo Weidlich já escalou 6 das 14 montanhas acima de 8.000m, confira no infográfico do Extremos. |
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Das 14 montanhas acima de 8.000m, o Brasil já conquistou 11 montanhas, sendo que entre os brasileiros a escalar um 8.000m destaca-se Waldemar Niclevicz com 6 primeiras conquistas, seguido pela Cleo Weidlich com 4 primeiras conquistas. |
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Subimos direto do acampamento base até o acampamento 2. A rota teve que ser reaberta devido a grande nevasca dos últimos dias. Tocamos para frente como soldados de montanha e não olhamos para trás. Nosso objetivo estava para cima! Centenas de vezes eu repetia o Salmo 123 quando estava atravessando as áreas mais perigosas e os Sherpas repetiam seus mantras hipnóticos em Nepali. Passamos horas quebrando gelo para remover as cordas que agora estavam presas debaixo dessa camada que as vezes parecia impenetrável. Passamos pelo acampamento 3 e colocamos nossa barraca acima. A face toda da montanha estava sobrecarregada com neve ainda não consolidada. O risco de avalanche estava elevado. No dia 18 de Abril recebi SMS da Meteotest da Suíça, indicando uma nevasca "light" e vento um pouco mais alto que previsto antes. Decidimos fazer um acampamento intermediário. Isso daria tempo para os dois Indianos nos alcançarem também. Os outros escaladores chegaram ao acampamento 3. Soubemos por radio que estavam lá, pois nem o pessoal no acampamento 3 nem meu time no acampamento intermediário podiam ver um ao outro. Há uma série de seracs entre os acampamentos 3 e 4 que formam barreiras visuais entre os dois acampamentos.
19 de Abril
Saímos do acampamento intermediário rumo ao 4. Nossa estratégia era colocar o acampamento 4 o mais alto possível e diminuir as horas de ataque ao cume, pois estávamos exaustos abrindo caminho em neve profunda, fixando cordas e cavando acampamento em lugares íngremes e duvidosos num vento forte e frio. Nossa alimentação por cinco dias foi bolacha e suco. Encontramos um serac onde cavamos nossa plataforma com espaço para duas barracas: uma barraca para os chineses com seus dois Sherpas e o Chhang Dawa que estava na licença como escalador e não trabalhava para ninguém nessa expedição, outra para mim com o Sirdar da minha expedição e o meu Sherpa Kami. Os Indianos estavam sempre um acampamento atrás ficando sempre com os acampamentos que tínhamos desocupados. Pois um dos Sherpas dos Indianos adoeceu no C3 e desistiu do ataque ao cume.
Às 23:03 do dia 19 de Abril saímos do acampamento 4 rumo ao cume do Annapurna I. Dois escaladores Indianos e seu Sherpa Pemba com oxigênio suplementar (C3-C2), dois montanhistas Chineses com oxigênio suplementar (C4-C4) e seus Sherpas Pemba e Pemcho, Chhang Dawa (escalador independente) sem oxigênio suplementar, Cleo Weidlich e Kami Sherpa sem oxigênio suplementar, Sanghe Dawa também sem oxigênio suplementar. Um total de 11 pessoas alcançaram o cume do Annapurna I (8.091m) às 10:00 da manhã do dia 20 Abril de 2012. |