Extremos
 
COLUNISTA CHARLES ZIMMERMANN
 
Convite de casamento
 
da Redação: Charles Zimmermann
14 de setembro de 2015 - 18:40
 
Noivos chegando para o casamento. Foto: Charles Zimmermann
 
  Charles Zimmermann  

Vindo da Índia, recebo um convite para uma festa de casamento. Era da irmã de um amigo que realizei enquanto pedalava na Índia. Ihfur, o seu nome, é mais um daqueles simpáticos personagens que jamais esquecerei. Foi uma espécie de guia enquanto estive em Calcutá. Ihfur é muçulmano e vem das montanhas de sem igual beleza, a região da Caxemira, ao norte da Índia. Estava em Calcutá por questões de oferta de trabalho. O povo da caxemira, predominantemente muçulmano, vive em conflitos com o governo indiano – sonham com uma independência que nunca chegará. O casamento de um filho é o maior marco na vida de uma família muçulmana. O rapaz se casa aos dezoito ou vinte, a moça se casa aos dezesseis ou dezoito. Eles não entendem que alguém passou dos quarenta anos de idade e ainda não casou. Além do mais, alguém que está casado e não tem filhos. Casamento nesse mundo significa ter filhos, muitos filhos. Conforme o alcorão, oito filhos é o ideal, e deixa o casal mais próximo de Alá – o deus muçulmano. Dias antes de enviar o convite, via e-mail soube que a irmã de Ihfur está se casando com um distante primo que ela nunca havia visto antes. Casar com um parente é considerado mais seguro pela família. Quem arranjou o casamento foi a mãe do noivo, que foi conhecer sua irmã analisando a beleza e qualidades da moça, comenta Ihfur. As qualidades consistem em analisar se a moça é educada e esforçada nos trabalhos domésticos. No e-mail Ihfur demonstrou euforia ao dizer que seu pai vai receber três vacas, quinze ovelhas, e mulas (não especificou a quantidade) e dinheiro em espécie como “pagamento” pela noiva concedida. No mundo muculmano, filhas sempre são consideradas como joia dos outros.

Nas cerimônias de casamento que tive oportunidade de presenciar no Oriente Médio, as noivas nunca transmitiram vontade própria de estar ali, diante do seu futuro marido. Mas sabem que são obrigados a aceitar aos desejos dos pais - costume aprendido da mãe e avó. A primavera, que é a época ideal de percorrer o Oriente Médio, - evitando assim as insuportáveis temperaturas do verão na região, é o período dos casamentos. É comum que enquanto você pedala próximo dos povoados, pessoas fazem sinal para parar, ou te seguem e te param. A finalidade é de convidá-lo para o casamento de um ente próximo, uma irmã, ou prima, ou irmão. Acreditam na tradição que a visita de um estrangeiro num momento desses da vida é uma benção. As cerimônias muçulmanas de casamento são sempre uma “viagem” aos preceitos que temos desta festa. Depois da cerimônia religiosa, quando os noivos se conheceram, mas ainda não se beijaram, eles levam os convidados a um salão para as comemorações. Passam a festa inteira separados. Um pano divide o ambiente. De um lado o noivo, com os homens, do outro, a noiva com as mulheres. Exceto o noivo e os pais, nenhuma outra pessoa circula pelas duas salas. Todas as mulheres ficam sentadas no chão, lado a lado, cabisbaixas e comendo frutas secas – damasco não pode faltar. No lado dos homens, a alegria, a diversão e a música. Ao som de um violão e uma sanfona; dançam entre si, pulam, caem de bêbados - mesmo que o álcool é proibido entre os muçulmanos. Não há qualquer interatividade entre eles e elas. Nem sequer o noivo dança com a noiva. Nunca é fácil, ao fim da festa, convencer a moça a desfilar num cavalo branco ao lado do seu noivo. No fim de um casamento, a mãe do noivo, respondeu-me: “Agora ela só volta a visitar seus pais com uma criança nos braços. E todos nós torcemos para que seja um menino”. De acordo com a as tradições islâmicas, após o casamento a noiva vai morar com família do noivo.

O maior líder contemporâneo da Índia, Mahatma Gandhi e acredito que para entender a Índia tem que levar esse homem em conta, respondeu o seguinte quando interrogado a respeito da tradição dos casamentos arranjados, - que também aconteçe com os hindus, sem um namoro prévio: “Vocês do ocidente, quando casam o amor termina. Nós na Índia, quando casamos o amor começa”.

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Charles Zimmermann
Livro: Travessia, 747 dias de bicleta pelo mundo

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