Kilimanjaro, whisky e coca-cola
da redação, Carlos Santalena
23 de novembro de 2011 - 18:48
 
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CUME - Momento de descanso e contemplação no alto dos 5895m do Kilimanjaro.
 
 

A viagem ao topo da Äfrica começou com um telefonema que fiz a Grade6 desde a Bolívia, onde o objetivo era dizer que nosso grupo estava bem e que em breve estaríamos seguindo para o Brasil, quando meu parceiro Eduardo me indagou dizendo que o Rodrigo não poderia guiar o Kilimanjaro como previsto, pois teria alguns compromissos no Brasil, entre eles o lançamento de seu esperado livro e que eu era o mais indicado para substituí-lo já que estava aclimatado e com muita vontade de conhecer novas montanhas e desafios.

Fiquei um tanto assustado com a rapidez da notícia, pois sairia da Bolívia, passaria duas semanas no Brasil e já seguiria a África, porém fiquei muito feliz por esta oportunidade estar batendo em minha porta novamente, me dando o prazer de fazer o que eu gosto e ainda conhecer um lugar diferente e interessante como a Tanzânia.

Tive duas semanas para organizar tudo e partir para o Kilimanjaro. Como era minha primeira vez na montanha e já tinha a responsabilidade de guiar, fui para lá 7 dias antes da chegada dos clientes para tentar um cume por uma rota mais exigente e na descida conhecer uma rota que também é utilizada como rota de descida mais rápida que chamava-se “Mweka Route”.
Nesta organização inicial foi que aprendi que a rota que eu faria antes se chamava Whisky por ser uma rota mais dura e a que faria posteriormente com o grupo chamava-se Coca-Cola por ser possível encontrar esta bebida nos acampamentos de subida, achei bastante curioso os apelidos das vias já que os nomes eram Machame e Marangu na língua local que é o mesmo nome de 2 vilas nos pés da montanha. Tudo a ver...

Parte-se de São Paulo e depois de um vôo cansativo porém belíssimo ao sobrevoar a Savanas ao entardecer, chega-se ao aeroporto internacional de Kilimanjaro, onde tiramos um visto na hora e entramos no país. No dia seguinte já estava pronto as 06h00min da manhã para tomar um café e partir em direção a entrada do Parque Nacional, já me encantando com a grande diferença cultural.
Quando coloquei os pés na entrada do parque já fui rodeado por 4 africanos e um líder que diziam me acompanhar nesta primeira jornada para nos conhecermos melhor e termos mais sincronia ao trabalhar com os clientes que iriam chegar. Achei um grande luxo, porém achei muito empenho e responsabilidade dos africanos quanto ao grupo que levaríamos. No final das contas apenas 3 deles me acompanharam pois realmente não havia necessidade, já que eu levava todo meu equipamento comigo.

Chegar ao Kilimanjaro é completamente diferente do que chegar em outras montanhas, a começar pela aproximação que geralmente é feita em glaciares, pedras ou morainas, no Kili é feita atravessando uma densa floresta tropical com uma fauna e flora exuberante. Como era único nesta etapa, pretendia fazer a rota que geralmente é feita em 7 dias, utilizando apenas 5 dias pois já estava aclimatado para isso.

No primeiro dia por esta rota Whisky ou Machame subimos até Shira que é o nome do segundo acampamento por este lado. Para a surpresa dos africanos passamos a noite seguinte em Barancu e no terceiro dia já estávamos em Barafu, o último acampamento a 4850m, para o ataque final, sendo assim se tudo desse certo faríamos a montanha em 4 dias, e foi o que aconteceu me rendendo assim um carinhoso apelido africano “Mzungo Kicha” ou homem branco muito loco. Cai na risada e fiquei muito contente pela primeira ascensão ter sido perfeita e em ótimas condições climáticas. Atingimos o cume depois de aproximadamente 5h de escalada durante a madrugada e ao chegar ao cume conseguimos contemplar o grande fenômeno de ver a sombra da montanha no horizonte.

O montanhismo tem uma relação interessantíssima com a vida e nossa autoconfiança, a medida que ganhamos confiança em uma agarra na rocha, ou em um passo acima dos 5000m, vamos mostrando a nós mesmos que somos capazes e assim ganhamos força interna transformando nossa vida mundana em uma pequenina parte do movimento universal. Quando vamos a uma montanha como esta, não estamos a desafiando, estamos apenas desafiando nossos limites e paradigmas. Neste momento de cume é onde temos um mínimo tempo para perceber o quanto somos pequenos diante de toda existência natural que nos rodeia e poder observar o mundo e nós mesmos com uma mente mais vazia, sem muitos julgamentos.

Neste mesmo dia de cume já descemos direto a Moshi que é a cidade base para escalada do Kili. Retornando a civilização e aos confortos da cidade descansei 3 dias, atendendo os clientes e até resgatando uma mala perdida no Quênia que pertencia a um deles.
Depois de algumas “Kilimanjaro beers” e alguns dias na cidade, o descanso estava feito e já estava pronto para subir novamente, agora com a missão de guiar 8 pessoas montanha acima. Embora muitos comentem que o Kilimanjaro é uma montanha fácil, devemos sempre lembrar que não existe montanha fácil, e montanha é sempre uma grande empreitada e uma intensa experiência.

Voltamos ao parque do Kilimanjaro agora entrando pela rota Coca-Cola, que a principio era para ser mais acessível e fácil. Começamos em um ritmo de caminhada de grupo e todos muito empolgados com tanta exuberância natural e tanta diferença cultural, no primeiro dia atingimos Mandara Hut (2700m) e nesta rota, diferente da primeira, não teríamos acampamento e sim ficaríamos em Chalés de madeira que são pequenos mas abrigam até 4 pessoas.

De Mandara Hut seguimos a Horombo Hut (3700m) onde passamos 2 noites afim que todos os participantes tivessem uma aclimatação saudável. De Horombo seguimos a Kibo hut (4700m) pela tarde, ali passamos algumas horas, nos alimentamos e nos hidratamos muito até que a 01h00min partimos ao cume e um dia surpreendente nos pegou... O dia estava com céu aberto porém com temperaturas que giravam em torno de -15 graus Celsius, toda a caminhada que até então era tranqüila, no dia de ataque ao cume se mostrou uma montanha de grande respeito e honrou o nome que significa (Kilima – Montanha / Jaro – Longa Jornada = montanha da longa jornada). Neste dia levamos 8:30 para chegar ao cume, porém mais uma vez com vitalidade para retornar bem, sem nunca esquecer que o cume é metade do caminho, depois só falta voltar tudo.

O retorno se dá desde o cume até Horombo Hut , onde todos já conseguem se alimentar melhor e se recuperar fisicamente mais rápido pois Horombo tem altitudes mais baixas e em relação ao cume temos um desnível de aproximadamente 2000m, aumentando assim a pressão externa e a quantidade de oxigênio absorvida.
No dia seguinte descemos o restante até chegar aos carros 4x4 que nos levaram a Arusha, cidade base para se fazer os melhores safáris da África, que estão na Tanzânia. Comemoramos seguidamente durante 4 dias regrados a Safári, hotéis e piscinas.

Esta viagem a África foi a que mais me impressionou em relação a situação social da população local que ainda vive em ritmo tribal e ainda é possível ver uma miséria incomparável com outros lugares que passei nestas andanças, diferente de muitos países Asiáticos, a África não têm as condições mínimas de alimentação, saúde e moradia . Mesmo com todas estas dificuldades, o povo africano é maravilhoso, não perde a musicalidade, a alegria e demonstram uma grande raça de viver.

Costumo dizer que quem faz grande diferença em nossas viagens são as pessoas que nos acompanham e de certa forma as pessoas locais que nos recebe, a Tanzânia se mostrou um país que me fará voltar ainda muitas vezes para poder sentir mais uma vez a grande energia de trabalho e força que eles nos passam.