Extremos
 
COLUNISTA BETO PANDIANI
 
O Mar é minha Terra - prefácio
 
texto: Beto Pandiani
30 de junho de 2016 - 14:30
 
Beto Pandiani e Igor Bely. Foto: Arquivo Pessoal
 
  Beto Pandiani  

Ao longo destes anos, inúmeras pessoas me perguntaram qual o objetivo das viagens. Sempre senti dificuldade em responder de maneira objetiva e suscinta, pois sempre houve várias razões. Sempre deixei muito claro que nenhuma viagem teve razões científicas, ou ambientais, isto esta reservado somente a pesquisadores e cientistas.

Um dia eu pensei, será que é possível saber o real tamanho das Américas, qual seria a melhor maneira de explorá-la?

O barco a vela foi escolhido por motivos óbvios, mas existe algo bastante interessante nesta relação homem – barco. Quando eu navegava pelos rios amazônicos bem próximo a margem eu ia observando as árvores, e a velocidade do barco era tão pequena que era possível contar as árvores. Dei-me conta que andávamos em uma velocidade compatível com a possibilidade humana. O mesmo acontece no mar, ou seja, um corredor ou um ciclista podia fazer uma média de velocidade quase igual a nossa.

Comecei a refletir a respeito desta relação e vi o quanto perdemos a noção de distância quando andamos de avião ou mesmo de carro.

A relação tempo espaço só pode ser mensurada com mais precisão se ao nos deslocarmos nós vivermos o deslocamento, ou seja, se ele for proporcional ao seu esforço e absorvido pela experiência de estar ali, interagindo com o planeta, se expondo aos elementos.

Talvez exista uma forma melhor do que em um pequeno barco sem cabine para viajar. Talvez, mas a forma que eu encontrei foi esta, e hoje ao me deitar posso fechar os olhos, e através da minha memória posso relembrar cada contorno que a costa americana desenha em cima do mar. Nunca mais me esquecerei da imponência do delta do Rio Amazonas, da beleza selvagem do recortado sudoeste do Chile, da cor turquesa exuberante de Exumas Islands nas Bahamas com seus bancos de coral, da pureza da Antártica, das majestosas montanhas da costa do Labrador, e da beleza de ver a Ilha Bela de longe, meu porto seguro.

Livro: O Mar é minha Terra  
   

Já que estou morando temporariamente neste belo planeta, porque não conhecê-lo, explorá-lo, conhecer sua gente, seus hábitos, sua cultura, seu modo de pensar e seus valores. Quando parti pela primeira vez, logo percebi que não era somente o mar que me atraia, e a minha intuição me guiou para as melhores experiências que eu um dia pude sonhar. Foram tantos encontros especiais, tantas despedidas emocionantes, passei por muitas situações de perigo, cheguei a lugares esquecidos pelo homem, e pela primeira vez na minha vida senti o gosto na boca do que é estar em comunhão com a natureza e a vida.

Percebo que existe no ar uma percepção em relação ao carácter do ser humano muito diferente do que eu experimentei ao longo das viagens. O massacre diário que os meios de comunicação fazem trazendo somente a luz tragédias, violência, e corrupção, criou uma falsa idéia que o ser humano não vale a pena, que não existe mais esperança, mas o mundo que eu encontrei parece estar bem distante desta percepção.

Todos os meus preconceitos foram dissolvidos pela generosidade que eu provei, muitas vezes literalmente, compartilhando o mesmo alimento, o respeito, o carinho humano, o espírito cooperativo, e por onde passamos deixamos lembranças e levamos muitas saudades. Foi um eterno chegar e partir, quase todos os dias havia alguém para acenar em alguma praia desta linda e vasta América. Várias foram as vezes que me emocionei, pois sabia que aqueles eram encontros únicos, que nunca mais iriam se repetir, e isto foi difícil no começo, mesmo assim sinto que estas pessoas fazem parte da minha família, uma mesma e imensa família. Foi um exercício diário de morrer e nascer, um treino para me tornar um pouco mais desprendido.

Gostaria de dizer isto pessoalmente a cada um que encontrei, e dar um forte abraço. Esta é uma bagagem que carrego, e ela não pesa nada, não é perecível, ao contrário, sinto que é eterna.

Depois disso nunca mais tive nenhum sentimento de solidão, e devo isso à coragem que tive que ter ao abrir mão de muitas coisas na minha antiga vida. Tive que aprender a viver com o medo de fracassar, com a dúvida de que conseguiria chegar ao fim de um dia difícil no mar, mas a sede por aventuras, pelo desconhecido foi mais forte e fui obrigado a ouvir o meu coração que trazia no fundo uma certeza, que este mergulho me levaria por um caminho de muitas descobertas pessoais.

Hoje olhando para trás só vejo recompensas e vejo que a minha escolha foi correta, parece que tudo que aconteceu na minha vida antes aconteceu para que eu me aproximasse do mar e da minha essência.

Toda esta vivência me deu subsídios para me fortalecer internamente e hoje sei que agora posso continuar a minha maior aventura, a maior viagem de todas, a busca de saber quem sou eu.

Beto Pandiani
www.betopandiani.com.br

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