Não alcancei este estado, mas sinto no meu coração que é possível. Algumas vezes percebo que arranho este sentimento, mas ainda me faltam muitas coisas para ser entendidas. Nem por isso me sinto desestimulado, ao contrário, minha vida tem sido toda voltada para este entendimento. Sei que o cerne da existência gira em torno da felicidade plena.
Pergunto-me se a felicidade é compreendida por todos da mesma maneira. Vejo que existe uma confusão a respeito deste tema, e felicidade se mistura com satisfação, alegria, prazer, estar contente e assim por diante. Mas será possível alguém viver na plenitude, sempre feliz, independente do que aconteça ao seu redor? Ser feliz no meio do caos seria afirmar que é possível uma flor nascer no meio de um deserto.
Esta semana depois da entrevista do Lance Armstrong fiquei observando a reação das pessoas e pude ver muitas coisas bem significativas. O que será que as pessoas conectaram dentro de si para reagirem desta maneira? Esta foi a minha pergunta.
O que mais me chamou a atenção foi a carga emotiva que a confissão dele causou nas pessoas. Parecia que eram elas que estavam confessando. Muitas pessoas se sentiram enganadas, ofendidas e decepcionadas, e muitas outras sentiram raiva, ódio, e uma vontade que ele seja punido com rigor. Muitas vezes vejo gente dizer assim: “o que se faz aqui, se paga aqui mesmo”. Pois bem, esta afirmação carrega um desejo de vingança enrustido, como se a pessoa que comete um erro ao ser castigada alivia o senso de justiça baseado em; olho por olho, dente por dente.
Não vejo assim, ninguém que comete um erro é castigado pela vida, nem mesmo julgado. A nossa vida é baseada em amor e não existe esta possibilidade. Esta lei do carma tem sido mal compreendida por muita gente. Julgamento é a uma das formas que os seres humanos inventaram para se suicidar ou se aprisionar através da sua existência.
Um homem morreu na cruz há mais de 2000 mil anos e a simbologia da crucificação não foi entendida. A cada julgamento que fazemos corresponde a um prego batido na cruz da própria pessoa. Quando crucificamos alguém, na verdade estamos nos crucificando. A mesma coisa acontece quando queremos ser perdoados, não entendemos que antes de tudo precisamos aprender a nos perdoar.
O sistema que criamos e perpetuamos é tão cruel que não precisamos de agentes especiais para nos punir. Nosso preconceito já é a rede mais complexa e eficiente que pudemos criar. Somos vitima de nós, ficamos reféns da ignorância de quem somos.
Um erro pode causar dor as pessoas que foram envolvidas em determinado acontecimento, mas esta mesma dor abre muitas oportunidades a ambos os lados. A quem feriu o reconhecimento da sua sombra, e a quem foi ferido o perdão e a compaixão. Não poderíamos aprender sobre a compaixão e o perdão se tivéssemos nascidos em um lugar onde não existe esta polaridade entre o positivo e negativo. A vítima precisa do algoz para entender alguns aspectos da sua consciência, e este jogo tem sido jogado por todos nós. Hora estamos de um lado ou de outro.
Olhando por este prisma, muitas vezes passada a emoção percebemos que quem nos feriu, na verdade era portador de uma carta da vida endereçada a nós. A carta é sempre um convite para nós percebermos que na verdade apenas representamos papéis no teatro da vida e diante de tais personagens, podemos ver algo em nós que seria muito difícil se não fosse carregada das emoções que precisamos balancear. Mas como o carteiro encontra nosso endereço? O nosso endereço é onde vivemos e também o resultado das nossas ações, pensamentos e sentimentos. Cada ato generoso e cada erro criam o nosso futuro a cada minuto, perpetuando seu estado de consciência ou abrindo novos caminhos.
Para ser mais claro. Quando lemos um poema de Fernando Pessoa e nos emocionamos, geralmente não identificamos o que nos atingiu. Não foi apenas o poema que nos tocou, mas também o reconhecimento que aquela sensibilidade também existe dentro de nós e foi tocada. Perceber que aquilo esta dentro de nós, e foi percebido, é a principal razão de nos emocionarmos. Posso dizer que a arte tem este papel, tocar os corações adormecidos.
Com o nosso lado obscuro acontece da mesma maneira. Quando vemos alguém errar, ou nos ofender, agindo de modo chocante, somos remetidos a um lugar sombrio dentro da nossa consciência. Reconhecer que aquela sombra também nos pertence nem sempre é um acontecimento bem vindo. Ao contrário, e para nos distanciarmos deste reconhecimento negando a nossa dificuldade, julgamos e criticamos. Agimos assim porque sentimos medo. Esta atitude tira o nosso olhar da nossa questão e nos joga na vala comum do mundo que perpetua o apedrejamento. Por isso que quando vemos na mídia o apedrejamento de alguém ficamos chocados. Isto tem a ver conosco. Diariamente estamos jogando pedras para todos os lados e nossa alma sabe aonde isso vai nos levar ou nos manter. Sabem o que fizemos com tantas pedras? Construímos muros que nos mantém aprisionados e agora é difícil enxergar a verdade por trás dele.
Mas quero falar mais sobre a compaixão, que na minha maneira de ver, é a expressão mais elevada do amor, e a nossa possibilidade de encontrarmos o caminho de volta para casa.
O que aprendi sobre a compaixão? Imagino um mundo baseado na aceitação e no reconhecimento de que cada ato certo ou não serve como subsidio para todos nós. O que o erro do Lance Armstrong suscitou dentro de cada um de nós? Ele não pode carregar uma cruz sozinho, ao contrário, ninguém precisa mais carregar a cruz, mas sim olhar com compaixão para o erro alheio que muitas vezes se aproxima do nosso erro cotidiano. O erro do herói é a maneira que a vida tem de mostrar para muitos a natureza da nossa fragilidade, pois ele pode falhar na sua missão. O herói é aquele que vai a frente abrindo caminho para as massas. Seus acertos e erros tem o mesmo valor, pois nos indicam aonde ir ou não ir. Quando avaliamos assim com compaixão transformamos um grande erro em uma grande oportunidade. A outra opção nós já conhecemos, vivemos com ela no dia a dia.
Observar o erro sem julgamento é o caminho mais curto para reconhecermos nossos pequenos desvios, e assim nos perguntarmos qual a ligação daquele evento conosco. Tudo esta conectado, assim como na natureza que é formada por ecossistemas. Nossos ecossistemas são as nossas emoções e atitudes.
Mas o que tudo isso tem a ver com a felicidade que citei no início deste texto?
Vejo a felicidade não como algo possível, e sim como o nosso maior estímulo. Seria como um compromisso individual que foi selado por toda a eternidade e não importa qual a sua condição, ele deve ser a nossa bússola interna. Neste momento chego a um ponto crucial, pois esta questão é de cada um. A jornada não é procurar a felicidade e sim reconhecê-la em você. Reconhecer um erro, reconhecer a beleza de um poema, reconhecer a dor no outro em você, faz parte da beleza da vida. Isso nos faz perceber o quanto cada ato é precioso e único. Não importa a natureza do ato, mas sim como você o reconhece em você. Esta é a alquimia da felicidade.
Sim, é possível uma flor nascer em um deserto. Esta possibilidade vai inspirar outras a seguirem o seu caminho. Um dia o deserto vai se tornar uma floresta com toda a sua diversidade e riqueza. Cada espécie através da sua beleza nos contará a sua trajetória única e rica. A beleza da flor é a expressão de toda a sua vontade interna em querer florescer. O deserto que vivemos hoje é o reflexo da aridez da nossa mente programada.
Um mundo melhor já existe e nos espera há milhares de anos, ele não esta em outra galáxia e sim dentro de cada um de nós. Quanto tempo falta para chegar a este lugar? Esta é uma questão do livre arbítrio, mas pode ser hoje, depende da sua capacidade em reconhecer.
Quando pararmos de acreditarmos em “algo”, e nos jogarmos na experiência do reconhecimento, teremos a confiança necessária para seguirmos em frente, entendendo que a mudança começa de dentro para fora.
Eu não acredito em Deus, eu o reconheço nas minhas atitudes mais elevadas.
Não julguemos o Lance.
“Velejar é jogar xadrez com o vento.
Nesta estratégia temos que dosar a audácia com a cautela,
a ânsia de partir com a sabedoria de esperar.”
Beto Pandiani
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