Disse em minha nota no facebook ano passado, sobre minha primeira experiência em alta montanha:
"Honestamente! Eu não acreditava que estava voltando! Não sabia se o que me doía mais era a cabeça ou o coração... me vi frustrada naquela imensidão de neve, na imperiosidade do Huayna Potossi, e lá não me contive: Eu sentei e chorei. Eu realmente não acreditava que estava voltando para o campo alto, mas sabia que se continuasse, talvez passasse muito mal, tinha que confiar no meu guia... era o que me restava." _Belle Duarte
Ao chorar, lembro-me das palavras desse meu grande guia que me foi um conforto imenso: ‘No llores, no te pongas triste.. por que la montaña siempre estará aca! Tu puedes Isabelle.’ acho que nunca vou me esquecer disso.
Sim, não me esqueci e por isso este ano retornei à Bolívia, nesta montanha que me ensinou a hora de continuar e a hora de parar, tanto entrar quanto sair, seja ganhando ou perdendo e apesar de muitos a subestimarem julgando-a fácil, o grande gigante dela é a altitude onde vivi na pele, dura e rigidamente o aprendizado da disciplina de um montanhista.
Desta vez, fui com os olhos baixos, não por falhar ano passado sem ultrapassar os 5.850m, Mas com olhos de quem sabe que é menor que a montanha, que não possui o controle total da situação e com respeito à esta gigante que me mandou para casa no meio do ano passado. Era inevitável a insegurança de alcance do cume (6.088m) afinal, a conquista da Cabeza del Condor (5.648m) não me garantia nada com relação à altitude e essa dúvida me acompanhava à exatamente um ano, mas dessa vez, eu estava cara à cara com Ela novamente.
Realizaria a ascensão em 2 dias, então eu e meu amigo Alex Feijó saímos de La Paz na manhã do dia 25 de julho, chegamos ao campo baixo por volta das 13 horas, almoçamos e já partimos com nossas mochilas e equipamentos para o campo alto.
Foi tudo muito rápido e quando menos percebi, já se fazia hora de dormir para atacar o cume na sequência. Eu estava com uma ansiedade diferente, apesar de querer chegar até o final, eu só tinha o “fracasso” como experiência.. e por isso era mais fácil me imaginar voltando do que alcançando minha meta.
Saímos por volta de 1:30am, apenas eu e o guia Àlex. Estava muito focada, acredito que este foco todo era apenas o medo de passar mal novamente e quando pisei na base do glaciar pedi à Ela que, por favor, me deixasse entrar.
Coloquei na cabeça que tudo estava muito longe, para não criar expectativas do famoso “será que já está chegando?”, entretanto não me deixei acomodar sob passos lentos. Mantivemos um bom ritmo por muito tempo, e depois de talvez 3 horas caminhando à frente de todos, um grupo de holandeses nos ultrapassou. Havia conversado com eles no jantar da noite anterior, lhes contei um pouco da minha experiência passada, como eles sabiam do meu histórico, com um ar de torcida e um certo companheirismo, um deles passou, olhou para mim e disse : “Nos vemos no cume.”. Aquilo, entre tantas outras coisas me dava impulso para continuar. Não estava cansada, apenas mantendo meu ritmo.. eles realmente andavam bem mais rápido do que eu! Andar no Huayna é ver uma fila indiana de luzes das headlamps durante o trajeto.. e com eles não foi diferente.. em questão de horas aquela fileira de luzes ia rapidamente subindo a montanha e outras tantas estavam atrás de nós.
Eu estava tranquila, a noite estava perfeita, sem vento e com um céu extremamente estrelado, então para me distrair comecei a contar estrelas cadentes. Você pode achar que estou mentindo, mas cheguei a contar durante um percurso 12 estrelas cadentes!! São muitas, lá é tudo muito incrível! Parei de contar num trecho que se fazia necessário maior atenção.
Num determinado momento perguntei ao Àlex: “Estamos exatamente aos 5.850m metros de altitude, certo?” ele respondeu com ar surpreso: “Sim, como sabe?”. Aquele lugar era inconfundível para mim, estávamos exatamente onde havia passado mal. Tenho aquela imagem fresca na memória e era impossível não reconhecer. Passar por aquele lugar.. e não sentir nada, não passar mal, estar bem fisicamente, sair de lá caminhando rumo ao cume, era uma superação incrível, cada passo um degrau.
Prosseguimos firmes e em pouco tempo começou a ventar forte. O tempo mudou e eu senti muito frio. Tentei andar mais depressa para me aquecer mas nada adiantava. Como estava com uma luva grossa, pedi ao Àlex que fechasse por favor meu anorak e quando ele foi fechar, me informou que não estava nada aberto: aquilo me preocupou. Estava sentindo frio no peito, nas extremidades , tanto os dedos das mãos quanto os dos pés estavam com inicio de dormência/congelamento. Ainda insisti em não reclamar nada ao Àlex, tentava me aquecer andando um pouco mais depressa, me cansando mais, porém o frio não cessava então informei à ele que não estava mais sentindo as pontas dos dedos. Ele tirou as luvas de suas mãos e aqueceu minha mão direita. O mais impressionante, é que diante de tanto frio, o calor das mãos dele fizeram diferença e em pouco tempo eu senti circulação. Seguimos adiante e eu nunca desejei tanto que o sol nascesse! Nessas horas eu percebo a necessidade de um raio de sol: no extremo.
O Céu já estava clareando e fomos chegando próximos à crista de rocha e gelo sentido cume, vi o grupo de holandeses descendo e me desejaram novamente boa sorte. Na crista antes do sol nascer, eu via no horizonte as cores laranja, amarelo e vermelho como num palco e aquele foi um dos nasceres mais bonitos que já vi, além de muito esperado!
Cheguei no cume junto ao Àlex e pude ver o sol crescer! Do outro lado pude ver a sombra triangular do Huayna por muitas montanhas dos Andes e aquela era mais uma experiência indescritível.
Como o Alex havia me dito, a montanha sempre esteve lá... e sinto que além dela me acolher, ela me ensinou como chegar até ela, hoje tenho a sabedoria de perceber que ela é especial por me ensinar de cara que o respeito pelo corpo está muito além da febre de cume e que existem regras para se alcançá-la.
Para quem quer fazer alta montanha, aproveito o espaço e oportunidade para deixar uma dica: Procure fazer uma boa aclimatação, nós brasileiros somos meros tropicais que vivemos muito próximos ao nível do mar e precisamos ir com muita paciência para atingirmos altitude. Neste ano, fiz aclimatação em La Paz, Ilha do Sol, duas montanhas mais baixas, uma com 5.421m e outra com 5.648m, retornei à La Paz, e só então tentei a ascensão dos 6 mil. Claro que todos somos diferentes neste processo de aclimatação, mas todo cuidado é pouco e todo tipo de prepotência ou auto-suficiência atrapalha.
Escolhendo o caminho e o jeito certo tudo é possível. Hoje sei que consigo chegar aos 6 mil o que para mim é muito importante no processo de preparação do Alpamayo - Peru.
Desejo que você corra atrás de suas metas, se não conseguir na primeira vez.. pouco importa! A montanha sempre estará lá, e como uma vez disseram para mim: “Tu puedes”.
Muita escalada e Perseverança.
Com Carinho,
Belle Duarte
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