Um Pouco da História da Cartografia (e um desabafo sobre o uso “indiscriminado” do GPS)
É com enorme prazer que volto a escrever em meu blog no Portal Extremos. O meu último texto foi ao ar no dia 8 de março, cinco meses atrás! Mas a ausência é facilmente explicada, pois foi neste período que nasceu o meu filho Luca. Que presente! A paternidade é a verdadeira expedição... mas isso é história para outro dia. Hoje o assunto é cartografia.
Parte deste texto foi originalmente escrito para uma apostila de orientação, muitos anos atrás, com o amigo, biólogo e montanhista Paul Colas-Rosas quando ainda ministrávamos este tipo de curso. Agora adaptado, apresentarei à vocês.
Durante o XX Congresso Internacional de Geografia, realizado em Londres em 1964, a Associação Cartográfica adotou a seguinte definição para Cartografia: conjunto de estudos e operações científicas, artista e técnicas, baseado nos resultados de observações diretas ou de análise de documentação, com vistas à elaboração e preparação de cartas, planos e outras formas de expressão, bem como sua utilização. Segundo esta definição, portanto, a cartografia engloba, em seu conjunto, ciência e arte. Ciência porque requer o desenvolvimento de conhecimentos específicos como o uso de laboratórios e operações de campo visando à produção de um documento técnico, o mapa. Arte porque se deve respeitar aspectos estéticos e a distribuição de seus elementos – traços, símbolos, cores, etc. - durante sua confecção.
O mapa, carta ou planta é, portanto, a figura representativa, em proporção, do aspecto geral e do conjunto de uma dada região ou lugar. A sua criação é conhecida como Desenho Cartográfico. Desenhos Cartográficos são conhecidos há muito tempo pela humanidade. A preocupação de mostrar as rotas de comércio ou áreas de caça, muitas vezes representados em paredes de cavernas, demonstra a importância da cartografia e confunde-se com a própria história da humanidade, uma vez que as produções gráficas são anteriores à escrita.
Um dos mais antigos mapas representa o rio Eufrates, seu entorno e, curiosamente, os pontos cardeais. Foi produzido pelos babilônios entre 2.500 a 4.500 a.C. É uma pequena placa de barro cozido que cabe na palma da mão e foi encontrada em Ga-Sur, na Mesopotâmia. Outro exemplo de mapa rudimentar é aquele que representa as ilhas do arquipélago Marshall, no Oceano Pacífico. Em sua confecção foram utilizadas fibras de palha e conchas representando ilhas. A religião também esteve presente, influenciando as produções de certos mapas. Em alguns exemplares, cidades como Jerusalém aparecem na parte central da representação. Na China, onde a cartografia já era desenvolvida antes mesmo da européia, os mapas eram documentos burocráticos e administrativos. Serviam para demarcação de fronteiras, fixação de impostos, entre outros. Mapas datados do século XVIII mostram o sudeste asiático no centro do mundo, quebrando aquela visão européia – mas ainda dominante – do continente europeu no centro do planeta.
Mas foi só com os gregos que a cartografia tomou um caráter científico tal como a conhecemos. Foram eles que definiram as linhas do equador, trópicos, círculos polares e meridianos. A palavra topografia também é de origem grega, onde topos significa lugar e graphen significa descrição. Eratóstenes de Cirene (276 a 196 a.C) mediu a circunferência da Terra e cometeu um erro de 12,5%, um número pequeno para tal época. Cláudio Ptolomeu (90 a 168 d.C) foi outro importante estudioso que introduziu o conceito de projeções cartográficas, ou seja, a tentativa de planificar uma superfície esférica, ou melhor, um sistema plano de meridianos e paralelos sobre os quais pode ser desenhado um mapa.
Já no Renascimento europeu, marcado pelas grandes explorações marítimas, empresas especializaram-se em fabricar mapas onde as cópias eram feitas à mão por desenhistas. Nesse contexto histórico nasceu Gerhard Mercartor (1512 a 1594), mundialmente conhecido por seus trabalhos envolvendo projeções cartográficas. Mercartor deixou um legado que influenciou a criação do sistema quadriculado internacional de referência, a UTM, ou seja, Universal Transverse Mercartor - Projeção Universal Transversa de Mercartor - criada nos Estados Unidos durante a década de 50 com o objetivo de determinar as coordenadas retangulares nas cartas militares em escalas grandes.
Foram os americanos também que inventaram o GPS - Global Positioning System - que surgiu como produto da corrida armamentista contra a extinta União Soviética no sentido de se obter, em tempo real, a posição exata de algum objeto - veículo, aeronave, míssil, navio, etc. Tudo isto com base nas informações enviadas por satélites construídos especificamente com esta função. O GPS acabou por se tornar um instrumento de uso universal pelos mais diversos segmentos da sociedade, principalmente aqueles ligados a aventura, e sua utilização deixou de ser uma tarefa específica para técnicos, tornando-se uma atividade corriqueira e amplamente popular graças, em parte, ao barateamento dos preços ao longo dos anos e ao tamanho reduzido dos aparelhos.
Mas apesar do GPS ser um instrumento de extrema importância, ele nunca deve ser colocado acima da habilidade de interpretação dos mapas. A interpretação do mapa é a habilidade mais importante de um navegador. O navegador deve ser apto a relacionar sua localização no campo com o mapa, escolher e seguir a rota conforme se movimenta pela área. O desafio é encontrar o melhor caminho frente às possibilidades existentes do terreno. Os mapas topográficos - lembra dos gregos? - aqueles que nos dão informações sobre as configurações de um terreno com todos os seus acidentes, as chamadas Curvas de Nível, são os mais populares que existem para este fim. Interpretando as curvas de nível é possível navegar apenas com o mapa, deixando o GPS e a bússola como instrumentos de auxílio, pois ao visualizar o terreno à sua volta e associá-lo ao mapa, você já tem o ponto onde se encontra. Mas é preciso muita prática, paciência e claro, umas perdidas!
Não nascemos com um sexto sentido. Para aprimorá-lo, é necessário aprender a arte da observação – ver, cheirar, ouvir e sentir os detalhes do mundo ao nosso redor. Se você pretende retornar pela mesma trilha, vire-se com frequência para observar qual a “cara” do caminho durante a volta. Técnicas são essenciais, mas a verdadeira habilidade de um navegador é o bom senso. Olhe por onde anda, essa é a chave para nunca se perder. Ficar em contato com o mundo a sua volta e observar os detalhes por onde passa aumentam a sua chance de chegar onde deseja.
Lembre-se, não adianta comprar o melhor GPS disponível no mercado se você não consegue interpretar um mapa topográfico antes de iniciar a sua aventura. Os gregos não “queimaram neurônios” à toa... Boas caminhadas.
Download
Faça o download de cartas topográficas direto do site do IBGE, clique aqui.
Antônio Calvo
www.armazemaventura.com.br
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