Extremos
 
COLUNISTA ANTÔNIO CALVO
 
Green Flash, um sonho de criança
 
texto: Antônio Calvo
31 de julho de 2012 - 15:30
 
O green flash. Um raio ou explosão de luz que acontece em condições muito especiais, no exato instante em que a última lasca do sol desaparece no horizonte.
 
  Antônio Calvo  

Cresci debruçado em livros de aventuras. "Cem Dias Entre Céu e Mar" do Amyr Klink foi, possivelmente, o primeiro que marcou muito profundamente. Os meus pais sempre com as melhores das intenções me presenteavam com todos os livros de aventura editados em português. E mal sabiam que este gostoso incentivo forjaria para sempre minhas escolhas pessoais e profissionais. Hoje trabalho dias ou semanas ao ar livre, em expedições, sem dar ou receber notícias, com apenas uma mochila, saco de dormir, isolante, alguma roupa e comida - pesada e contada à dedo - escalando, caminhando ou remando por lugares maravilhosos, lugares que muitas vezes são mais difíceis deixar e iniciar a viagem de volta, se despedir, do que chegar até lá.

A partir do “Cem Dias” foi fácil chegar numa fase de leituras sobre os pólos da Terra, seus exploradores e conquistas numa época onde roupas de couro e lã ditavam a moda e a navegação e orientação daqueles tempos era baseadas no sextante e na bússola e não num conjunto de coordenadas observadas na tela dos mais sofisticados GPS. De Peary, à Sheckleton, à Scott, à Amundsen, apenas para citar os clássicos, cheguei nas histórias de montanhismo e do Everest - até porque foi nesta época que comecei a escalar em rocha - e conheci as aventuras do Waldemar Niclevicz que junto com o Mozart Catão foram os primeiros brasileiros a subirem os seus quase 9km de altitude.

Na primeira página do meu livro "Paratii, Entre Dois Pólos", outra bela obra e aventura do Amyr e mais um dos presentes dos meus pais, existe a seguinte dedicatória: "Antônio, acho que você vai gostar de viajar com o barco Paratii do Amyr Klink. Eu também gostaria de estar lá. Beijos”. E foi neste mesmo livro, em 1992, que li pela primeira vez sobre o raio verde ou green flash que aliás deu origem ao título do capítulo 12.

"Sempre que era possível, eu perseguia o pôr do sol no mar. Atento, até a bola de luz amarelo-avermelhada ir se fundindo no horizonte, à procura de um fenômeno muito raro, que quase todos os povos navegadores do passado já mencionaram: o green flash. Um raio ou explosão de luz que acontece em condições muito especiais, no exato instante em que a última lasca do sol desaparece no horizonte. Cumpria o mesmo ritual de sempre, meio sem esperança de um dia ver qualquer coisa... e escapou um grito súbito: "Eu vi! Eu vi! Miserável, eu vi!" Tanto tempo e, enfim, eu vi o raio verde. Uma fração de segundo que valeu toda a viagem."

Amyr klink

Essas curtas mas emocionantes palavras que o Amyr soltou quando viu essa "coisa rara" não chega perto dos gritos de euforia que dei quando vi o meu primeiro raio verde. O raio verde precisa de um céu limpo e quando o Sol é visto se pondo no horizonte - existem fortes evidências que isso pode acontecer também durante o nascer do Sol - em conjuntura muito precisa, uma pequena porção superior do astro aparece verde. Ao invés de um rápido flash verde, toda a sua pequena porção superior pode aparecer num belo verde esmeralda. São algumas as teorias e discussões em torno da origem desse fenômeno, mas a mais fácil de entender é aquele que compara, sem detalhes científicos, a atmosfera da Terra com o triângulo da capa do CD The Dark Side of the Moon do Pink Floyd. Quando os raios de sol entram num ângulo muito abaixo de 90 graus, a curvatura da Terra causa a separação da luz em seu espectro, similar ao Arco Íris e, como o verde é uma das cores do espectro, a do meio, o que nós vemos é essa pequena sequência mágica de cores da Natureza que tem início nas já consagradas cores laranja avermelhada do pôr e nascer do Sol. Mais um pouquinho de ângulo e conseguiríamos ver até o azul, anil e o violeta... imagina?

Era o final do outono de 2009 no Canadá. Eu e a Luiza, minha esposa, já estávamos trabalhando por lá há quase um ano e iríamos sair de férias pela primeira vez. Tínhamos comprado uma camionete de 1996 e a caçamba era espaçosa o suficiente para colocarmos todas as nossas coisas, literalmente, pois não tínhamos casa. Estávamos realizando um sonho de criança, cruzar o país de, quase, ponta a ponta, on the road, parando quando desse vontade, curtindo o que aparecesse em nosso caminho, rumo às Rochosas, igual aqueles livros de aventura que devorava horas à fio, noites à dentro. Isso era sinônimo de liberdade!

A região de Ontario concentra alguns dos maiores lagos da América do Norte e por isso era preciso contornar pela Hw17 o Lake Superior durante a nossa viagem de carro. Com a noite se aproximando estávamos a procura de um lugar que pudéssemos parar para jantar e descansar. A borda acidentada do lago parecia uma montanha russa, hora estávamos subindo, hora descendo, curvas à direita e curvas à esquerda. Com o sol tocando suas águas, diminui a velocidade sem parar, uns 20Km/h, na deserta estrada para apreciar mais um belo pôr do sol. A tarde estava limpa, sem uma nuvem sequer no céu, a água tranquila, sem um brisa qualquer. O lago ficou laranja a medida que o sol se escondia. Ainda era preciso prestar atenção na estrada, não cometer nenhum erro e dirigir com segurança. E para dar um último tchau olhei mais uma vez milésimos de segundos depois que a bola incandescente havia de vez se escondido no horizonte e gritei: "Olha, olha, olha aquilo! Você está vendo? Caracas!" e a Luiza respondeu: "Eu vi, eu vi! Um negócio verde no Sol!" "Siiiiiimmmmmm, um negócio verde no Sol! PQP! Eu acho que era o green flash, nós vimos o green flash!" E nos olhamos com uma cara de assustados, como se tivéssemos visto um fantasma, porém felizes com tudo aquilo. Estávamos em êxtase!

A segunda vez foi tão impressionante quanto a primeira. A diferença é que eu não estava dirigindo e sim curtindo um pôr do Sol à beira mar na Sicília com mais dois casais de amigos. Aí deu para pular, gritar, comemorar, dançar, rir, rir e rir. "Coisa rara?" gritei, "que nada, basta olharmos com mais carinho e atenção a Natureza ao nosso redor!"

Antônio Calvo
www.armazemaventura.com.br

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