+  BLOG DA AMAN MORBECK  
 
Escândalo depois do jantar e baguete embaixo do braço
 
 
 

Anos atrás, mochilei por três meses pela Europa. Um dos lugares que visitei foi uma pequena cidade do interior da França onde Cindy, uma garota francesa com quem eu havia estudado nos Estados Unidos, morava com os pais. Antes de partir de volta para casa, ela me disse que se um dia eu fosse à Europa, que era para procurá-la. E assim fiz. Liguei para ela de Roma, combinamos de nos encontrar e tomei o trem noturno para Paris. Da bela capital, depois de dois dias perambulando, tomei outro trem e fui pra Cherré, perto de Le Mans, onde ela e os pais me receberam alegremente – embora eles não falassem quase nada de inglês e eu quase zero de francês.

 
 

Naquela noite, após o jantar, insisti que queria lavar as vasilhas e limpar o fogão. E lá fui eu, juntei todas as vasilhas, coloquei-as na pia, pus detergente na bucha, molhei-a e comecei a esfregar talheres e pratos. Quando terminei, abri a torneira, como fazemos aqui, e mal a água começou a escorrer, só ouvi o grito da mãe da Cindy, às minhas costas, e vi uma mão fechando a torneira. Ela falava rapidamente e eu não entendia nada. A Cindy tentava falar comigo, enquanto a mãe dela me empurrava para longe da pia. Perdida, fiquei meio que em choque.

Qual era o problema?, perguntei à Cindy. Havia aberto torneira e deixado a água escorrer, era tudo o que eu sabia. Mas o hábito francês de lavar vasilhas (pelo menos ali) não era dessa forma e a mãe de minha amiga estava horrorizada com a forma como fazemos aqui, com o desperdício de água. Ainda resmungando, ela então tapou o ralo, encheu a pia de água e lavou tudo com cara de poucos amigos. Cindy tentou se desculpar pela mãe, mas foi uma situação constrangedora para mim, ainda mais pelo fato de eu não ter feito nada de mau ou com má intenção. O que estava acontecendo ali era simplesmente um choque cultural. Desculpei-me, desejei boa noite e Cindy e eu fomos pra rua.

Na manhã seguinte, acordei mais cedo que todo mundo e para esperar que se levantassem, saí e fui tomar sol sentada nos degraus da escada de uma igrejinha que ficava quase em frente da casa da família, que por sua vez, era colada a uma padaria. E lá fiquei a observar os franceses (não posso generalizar, mas pelo menos aqueles que vi naquela manhã) virem e irem com suas baguetes desembrulhadas. Elas vinham com um pequeno pedaço de papel o suficiente para serem seguradas e só. E a maioria das pessoas desceu ou subiu a rua levando-as embaixo do braço, outras as colocaram no painel do carro, algumas no porta-malas e outras no banco do passageiro.

Comecei a rir sozinha, pois na noite anterior eu havia passado aquele estresse com a mãe de Cindy e agora era minha vez de achar aquilo muito diferente. Mas de novo, apenas uma questão de cultura. Se eu tivesse nascido na França e tivesse sido educada de acordo com seus padrões, lavaria todas as vasilhas na mesma água represada na pia e levaria o pão como aquelas pessoas que passavam apressadamente na minha frente.

Encostei as costas no degrau e deixei minha cabeça pender para trás enquanto fechava os olhos para protegê-los do sol que batia em cheio no meu rosto. Agradeci o universo por aquele momento, por aquele presente. A melhor forma de conhecer uma cultura diferente da sua é mergulhando nela. E lá estava eu sendo desafiada na minha maneira de ver o mundo. Ouvi passos aproximando-se e voltei a cabeça para olhar. Cindy veio andando até a mim, me beijou o rosto e sentou-se do meu lado, acendendo um cigarro. Ela nada disse, nem eu, até que terminasse de fumar.

Ela então me perguntou se eu estava com fome e assenti. Levantamos, ela me deu a mão, atravessamos a rua e entramos na padoca. Compramos uma baguete e eu saí de lá levando-a desembrulhada sem pensar em nada além do quanto o cheiro daquele lugar era bom. À mesa para o café da manhã, a mãe de Cindy desculpou-se e eu fiz o mesmo. Depois que terminamos, lavei as vasilhas exatamente como a havia visto fazer na noite anterior. Quando tudo estava arrumado, saímos os quatro para uma caminhada pela charmosa Cherré.

Dois dias depois nos despedimos com fortes abraços na ferroviária da cidade, onde os três me levaram com um carrinho exatamente como esse da foto.

(Adoraria ter fotos para mostrar, mas a bolsa com minha câmera foi roubada em Amsterdã; com ela, foram todos os filmes batidos e os virgens – tinha câmera analógica naquela época.)

 
 
PARTICIPE, DEIXE SEU COMENTÁRIO.
 
 
 
Jornalista e aventureira
 
Nasci no interior de Goiás e cresci em Mato Grosso. Quando ganhei meu primeiro globo terrestre e vi onde 'eu estava', meu espírito viajante sentiu que não seria possível passar toda minha vida ali, com tanto por conhecer. Cresci sonhando em colocar os pés na estrada, correr mundo, conhecer outras culturas, interagir com o diferente, aprender. Fiz muitas viagens pelo Brasil – e continuo a fazê-las – e depois de deixar um emprego estável e seguro para viabilizar meu sonho, vivi por três anos (1995–1998) fora daqui. Conheci um pouco do México e do Peru, morei nos Estados Unidos (Virgínia e Flórida), mochilei por 11 países da Europa e morei por cinco meses na Tailândia, onde, entre tantas coisas, também mochilei da região de Bangcoc às fronteiras da Birmânia e pelo Laos. Sou apaixonada por viagens e atividades ao ar livre, principalmente mountain biking, trekking e canoagem, por fotografia de natureza e por compartilhar, por meio de textos e fotos, o que vivencio em minhas andanças. Se quiser me contatar, fique a vontade:

- Email: amanmorbeck@gmail.com
- Twitter: @amanbr
- Facebook: Aman Morbeck
 
 
 

- 1990 – Primeira saída do Brasil – Peru (Lima, Cuzco, Macchu Pichu) e México (capital e várias cidades do interior)
- 1995 a 1998 – Morou nos Estados Unidos, com algumas idas e vindas para passeios em outros países
- 1996 – 3 meses de mochilança pela Europa Ocidental (Itália, França, Portugal, Suíça, Holanda, Bélgica, Luxemburgo, Alemanha, Grécia, Irlanda e Áustria)
- 1998 – 6 meses no Sudeste Asiático (5 meses – viveu e mochilou pela Tailândia; 3 semanas de mochilança pelo Laos)
- 2005 – Mountain bike de Gonçalves (MG) a Nazaré Paulista (SP) – 165 km em 3 dias pela Serra da Mantiqueira
- 2006 – Manaus; trekking, arborismo e rafting em Presidente Figueiredo (AM)
- 2006 - Travessia Lençóis Maranhenses
- 2006 – Canoagem no Saco Mamanguá/Paraty – 3 dias de descobertas ao balanço das ondas
- 2007 – Curso de Formação de Educadores ao Ar Livre (FEAL), ministrado pela Outward Bound Brasil (OBB) – 2 semanas de trekking e aprendizado na Serra do Cipó (MG)
- 2007 – Trekking Trilha do Ouro – Campos de Cunha (SP)/Serra da Bocaina/Mambucaba (RJ)
- 2008 – Off-road Cunha/Paraty pela estrada velha; trekking Paraty-Mirim/Saco do Mamanguá com subida até o Pão de Açúcar do Mamanguá
- 2009 - Expedição Ipê Roxo (batizada por mim) – Barra do Garças, Serra do Roncador, Nova Xavantina e Pantanal do Mato Grosso/Transpantaneira, em Mato Grosso; Pantanal do Mato Grosso do Sul, Estrada Parque do Pantanal até Corumbá e Bonito, em Mato Grosso do Sul
- 2006/2009 – Trilha das 7 Cachoeiras, Catuçaba (SP)
- 2010 – Off-road Joanópolis (SP)/Monte Verde (MG)/Gonçalves (MG)