+  BLOG DA AMAN MORBECK  
 
Reflexão sobre questões culturais
 
 
 

Assisti ao vídeo polêmico (veja ao final do meu texto com tradução) divulgado em 15/3 pela americana Alexandra Wallace, estudante de direito na Universidade da Califórnia em Los Angeles, no qual ela mete o pau nos estudantes asiáticos depois de ter ficado irritada na biblioteca do campus porque alguns deles ficaram falando ao celular naquele ambiente, deconsiderando que havia outros alunos estudando, inclusive, para as provas finais (como ela). O vídeo – que até este momento, 15h do dia 17/3/2011, foi clicado mais de 4,4 milhões vezes (não o que ela postou, que foi retirado por ela), tem menos de 3′, mas causou um estrago tão grande, que ela está sendo até ameaçada de morte. Aqui, gostaria de refletir sobre seu conteúdo.

 
 

Não há dúvida que ela escolheu a pior hora desde o tsunami na Tailândia ou o ataque terrorista de 11 de setembro aos EUA para divulgar sua insatisfação no tom como o fez (no fim deste post, leia o que ela disse). Ela foi sarcástica, esnobe e ofensiva, mas o ponto principal que a levou a postar o vídeo não foi mencionado: o fato de as pessoas usarem celular na biblioteca, algo condenável em qualquer lugar do mundo no qual já estive, independentemente de raça, de credo, de cor, de condição sociointelectual etc.

A fala de Alexandra é racista, sim, ela não precisava ter enumerado tudo o que detesta nos asiáticos, por exemplo, tampouco imitá-los, mas falar ao celular na biblioteca, ainda que o tsunami tenha devastado seu país, não pode ser desculpado. Concordo com ela quando diz que aquelas pessoas que queriam notícias de seus parentes deveriam ter saído para conversar ou talvez tivessem de estar em outro lugar onde pudessem falar livremente, já que a necessidade de notícias era permanente. Para mim, os dois lados erraram: ela, por ter publicado o vídeo com esse tom e os asiáticos por desrespeitarem quem estava no ambiente.

Agora, ficar apontando o dedo para ela sem considerar o que a impulsionou a fazer esse vídeo não faz nenhum sentido, inclusive isso de ela ser ameaçada de morte! Vimos aqui dois aspectos bastante interessantes: o primeiro, o de as pessoas esquecerem que nada na internet é "privado", ainda que você grave ou publique suas coisas de dentro do seu quarto, como se estivesse sozinho no mundo. E depois, como ouvi da especialista em marketing digital, Martha Gabriel, "na internet não existe o botão de delete", ou seja, caiu na rede, acabou, tanto para o positivo quanto para o negativo. Você nunca sabe que reação despertará nas pessoas com suas ideias.

Alexandra toca num ponto muito importante em sua fala, que também foi engolido pelos comentários agressivos: diferenças culturais. E aí vou um pouco mais longe: há coisas que não fazemos em nosso país, mas que liberamos para vivenciar em outro(s). Morei no exterior por mais de três anos e conheço quase vinte países. Durante minhas andanças, sempre observei como as pessoas agem e reagem quando estão longe de casa. Naturalmente, por ser brasileira, a atitude de meus compatriotas chamavam mais minha atenção e infelizmente há pessoas que se sentem livres num país que não é seu para fazerem no anonimato, e especialmente quando em grupo, o que não fariam no quintal de casa.

Por exemplo, só louco ficaria aqui no Brasil, na fila de um Albergue da Juventude, gritando e chamando as mulheres de putas e os homens de bicha (na fila como ele) gratuitamente. E foi o que presenciei em Salzburgo, na Áustria, com quatro jovens loucos dando risadas estridentes e falando essas coisas e outras também ofensivas, em língua portuguesa, confiando que ninguém ali entendia o que falavam. Fiquei com tanta vergonha que escondi meu passaporte, saí da fila e esperei do lado de fora até que eles fossem atendidos e sumissem de vista. Não tive coragem nem de falar com eles para não estabelecer conexão alguma.

Ou quando eu estava num restaurante em Chiang Mai, na Tailândia, e um brasileiro com um portunhol horrível, tentava puxar conversa com uma garota, gabando-se que os brasileiros eram os melhores de cama do mundo e que aqui as mulheres eram assim e assado e... (é melhor não contar tudo). Mas dessa vez não aguentei e falei, em português bem claro: "Hum... menos, meu camarada, menos...". Ele ficou tão sem graça que pediu a conta e se mandou.

E por aí vai.

O que quero dizer com isso, com relação ao assunto deste post, é que muito, mas muito provavelmente esses estudantes asiáticos na UCLA, nos Estados Unidos, jamais falariam ao celular numa biblioteca em seu país. E mais: o fato de o Japão ter sido atingido por catástrofe tão horrível, de sofrimento inimaginável por nós, que assistimos tudo a distância, não pode servir de desculpa para que seus cidadãos em outros lugares do mundo desrespeitem outras pessoas. Isso é indesculpável porque regras devem servir para todos onde estiverem. E aqui novamente concordo com Alexandra: se você está nos Estados Unidos, aja como americanos (a velha máxima: "Quando for a Roma, aja como os romanos"). Não estou querendo dizer que você tenha de deixar de ser quem é ou que tenha de esquecer sua cultura, mas ter respeito e agir de acordo com os valores daquele lugar.

Para ilustrar, dou outro exemplo: aqui no Brasil quando queremos fazer um agradinho numa criança, o que geralmente fazemos: afagamos sua cabeça, certo? Ela é baixinha mesmo, geralmente fica na altura de nossas mãos e fazemos isso automaticamente. Na Tailândia, isso é extremamente ofensivo porque o alto da cabeça é uma parte sagrada que não pode ser tocada por estranhos. Por que eu tocaria a cabeça de uma criança lá, sabendo que é proibido? Por que no meu país pode? Hello! Da mesma forma, por que eu usaria celular numa biblioteca ou falaria alto dentro dela, conversando naturalmente, se sei que é proibido? Posso dizer que a Inglaterra está errada porque a mão dos carros lá é diferente da nossa e o motorista fica do lado direito quando aqui é do lado esquerdo? Estamos falando de cultura e culturas devem ser respeitadas onde estivermos da mesma forma que queremos que quem venha ao nosso país respeite a nossa. Simples assim.

Portanto, solidarizo-me com o Japão, como tenho manifestado na internet via Facebook, e também com Alexandra. Essa menina agora está realmente em maus lençóis e a UCLA está, inclusive, considerando puni-la. Ela divulgou a seguinte mensagem num jornal local e que também aparece nesse vídeo dela que, como comentei anteriormente, foi postado depois por outra pessoa: "Certamente o vídeo original postado por mim foi inapropriado. Não sei explicar o que me deu para eu abordar o assunto dessa forma. Se pudesse voltar atrás e desfazer eu o faria. Quero me desculpar com todo o campus da UCLA. Aqueles que não conseguirem me desculpar, eu entendo".

Por questões tão diferentes, ambos os lados devem realmente repensar suas atitudes e nenhum dos dois deve se considerar apenas vítima ou apenas algoz, pois na verdade são ao mesmo tempo vítimas e algozes.
Às vezes, o discurso politicamente correto ou as atitudes agressivas acabam desviando o foco do que realmente precisa ser avaliado, discutido e repensado.

 
Veja abaixo a tradução do que Alexandra disse no vídeo:

"Aqui na UCLA é semana de provas finais. Não sou a pessoa politicamente mais correta e não quero ofender quem usa a biblioteca nem me dirijo aos meus amigos. O problema são essas hordas de asiáticos que a UCLA recebe a cada ano. Tudo bem, mas se você está aqui, aja como os americanos. Antes eu ficava chateada, mas agora não mais, com o fato de todos os asiáticos por aqui, em seus apartamentos ao meu redor, receberem suas mães, seus irmãos, suas irmãs, suas avós, seus avôs, seus primos e todos que eles conhecem e trouxeram com eles.

Que vêm aqui no fim de semana para lavar as roupas [para os estudantes], fazer compra e cozinhar para deixarem para a semana. Todo fim de semana você vê esses idosos asiáticos aqui no condomínio. E é isso o que eles fazem. Não ensinam seus filhos a se virarem e também não lhes ensinam boas maneiras, o que me leva ao próximo ponto: 'Oi, na América não falamos ao celular na biblioteca'. A cada cinco minutos, ou melhor, a cada 15 minutos… eu estava concentrada em meu estudo sobre as teorias e os argumentos das ciências políticas etc., aprendendo, digitando que nem louca… e quando eu estava quase alcançando uma epifania… de algum lugar ali [ela faz de conta que está falando ao telefone e imita o sotaque asiático]. E isso no meio da semana de provas finais! Portanto, sendo a garota americana educada e legal que mamãe criou, fiz o que qualquer um faria, olhando 'daquele jeito' e fazendo 'psiu', sussurrando 'isto aqui é uma biblioteca, estamos tentando estudar. Obrigada!'. E aí a mesma coisa cinco minutos depois, com outras pessoas que estavam checando a família inteira para ver se todo mundo do tsunami… Eu sei, é horrível e sinto muito por todos afetados pelo tsunami, mas se você vai ligar para todo mundo de sua agenda, vá para fora porque na biblioteca é preciso ficar em silêncio. Bom, obrigada por ouvir. E mesmo que você não seja asiático na biblioteca – embora eu nunca tenha visto isso acontecer antes. Obrigada por ouvir e tenha um bom dia."
 
 
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Jornalista e aventureira
 
Nasci no interior de Goiás e cresci em Mato Grosso. Quando ganhei meu primeiro globo terrestre e vi onde 'eu estava', meu espírito viajante sentiu que não seria possível passar toda minha vida ali, com tanto por conhecer. Cresci sonhando em colocar os pés na estrada, correr mundo, conhecer outras culturas, interagir com o diferente, aprender. Fiz muitas viagens pelo Brasil – e continuo a fazê-las – e depois de deixar um emprego estável e seguro para viabilizar meu sonho, vivi por três anos (1995–1998) fora daqui. Conheci um pouco do México e do Peru, morei nos Estados Unidos (Virgínia e Flórida), mochilei por 11 países da Europa e morei por cinco meses na Tailândia, onde, entre tantas coisas, também mochilei da região de Bangcoc às fronteiras da Birmânia e pelo Laos. Sou apaixonada por viagens e atividades ao ar livre, principalmente mountain biking, trekking e canoagem, por fotografia de natureza e por compartilhar, por meio de textos e fotos, o que vivencio em minhas andanças. Se quiser me contatar, envie seu email para amanmorbeck@gmail.com.
 
 
 

- 1990 – Primeira saída do Brasil – Peru (Lima, Cuzco, Macchu Pichu) e México (capital e várias cidades do interior)
- 1995 a 1998 – Morou nos Estados Unidos, com algumas idas e vindas para passeios em outros países
- 1996 – 3 meses de mochilança pela Europa Ocidental (Itália, França, Portugal, Suíça, Holanda, Bélgica, Luxemburgo, Alemanha, Grécia, Irlanda e Áustria)
- 1998 – 6 meses no Sudeste Asiático (5 meses – viveu e mochilou pela Tailândia; 3 semanas de mochilança pelo Laos)
- 2005 – Mountain bike de Gonçalves (MG) a Nazaré Paulista (SP) – 165 km em 3 dias pela Serra da Mantiqueira
- 2006 – Manaus; trekking, arborismo e rafting em Presidente Figueiredo (AM)
- 2006 - Travessia Lençóis Maranhenses
- 2006 – Canoagem no Saco Mamanguá/Paraty – 3 dias de descobertas ao balanço das ondas
- 2007 – Curso de Formação de Educadores ao Ar Livre (FEAL), ministrado pela Outward Bound Brasil (OBB) – 2 semanas de trekking e aprendizado na Serra do Cipó (MG)
- 2007 – Trekking Trilha do Ouro – Campos de Cunha (SP)/Serra da Bocaina/Mambucaba (RJ)
- 2008 – Off-road Cunha/Paraty pela estrada velha; trekking Paraty-Mirim/Saco do Mamanguá com subida até o Pão de Açúcar do Mamanguá
- 2009 - Expedição Ipê Roxo (batizada por mim) – Barra do Garças, Serra do Roncador, Nova Xavantina e Pantanal do Mato Grosso/Transpantaneira, em Mato Grosso; Pantanal do Mato Grosso do Sul, Estrada Parque do Pantanal até Corumbá e Bonito, em Mato Grosso do Sul
- 2006/2009 – Trilha das 7 Cachoeiras, Catuçaba (SP)
- 2010 – Off-road Joanópolis (SP)/Monte Verde (MG)/Gonçalves (MG)