+  BLOG DA AMAN MORBECK
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Aventura combina com planejamento
 
 
 

Em Paranaguá, no litoral do Paraná, a atmosfera era de festa: mil balões de festa gigantes, cheios de gás hélio, coloridos, apontavam para o alto, enquanto dezenas de pessoas observavam atentamente os preparativos finais do padre Adelir de Carli, ajudado por fiéis, antes de partir para sua "aventura". Por volta das 13h, com tudo pronto, os balões o içaram velozmente e aquele engenhoca na qual estava pendurado rapidamente desapareceu da vista de seus admiradores. Teoricamente, ele ficaria 20 horas no ar e seria levado por mais de 200 km pelo vento. De acordo com os planos, ele deveria voar o resto da tarde, toda a noite e madrugada e aterrissar na região de Dourados, Mato Grosso do Sul, bem longe do mar, por volta das 12h do dia seguinte. Cobrindo o acontecimento, uma repórter lhe perguntou se não era perigoso sair naquele momento, com chuva, vento e céu nublado, ao que ele respondeu que não, que em poucos minutos estaria acima das nuvens e ficaria tudo bem. Infelizmente, porém, o mau tempo e o vento soprando em direção contrária ao que o padre precisava, fizeram com que seu inconsistente plano fosse literalmente por água abaixo. Ele havia "planejado" sua "aventura" para ficar "20" horas no ar para combinar com o dia "20" de abril e apesar de toda a indicação contrária, não respeitou o limite imposto pela natureza.

 
 

Em seu primeiro contato, cinco horas depois de iniciar o vôo, informou que alguma coisa errada estava acontecendo, pois estava perdendo altura e sendo levado em direção ao mar. Para surpresa de todos, pediu também que alguém o ensinasse a usar o GPS! Pouco antes das 21h, fez seu último contato dizendo que cairia no mar. Naquele momento, ele estava a muitos quilômetros da costa e o vento fazia com que as ondas alcançassem até seis metros de altura. Imagine essa situação agravada pela escuridão. Isso sem contar que logo depois de deixar o solo ele havia subido a mais de cinco mil metros, invadido o espaço aéreo – com risco de ser atropelado por uma aeronave e provocar um acidente – e ter sentido frio de até menos 25ºC, enquanto sua roupa o protegia a, no máximo, menos 10ºC. Tomara que ele seja encontrado com vida. Até este momento, porém, 01h50 do dia 24 de abril, apenas os balões foram localizados em alto-mar.

Sua intenção era ultrapassar o recorde de um americano que havia ficado 19 horas no ar, levado por balões também. Antes disso, há registro de apenas um vôo feito pelo padre Adelir dessa forma, com duração de 4h15min. Muito pouca experiência para que ele se lançasse em outro tão mais longo, enfrentando noite e madrugada com mau tempo e sem apoio terrestre. Além disso, há três anos ele foi expulso por causa de indisciplina e exibicionismo da escola de vôo livre onde fazia curso, de acordo com seu ex-instrutor, Marcio André Lichtnow (leia sobre isso em http://noticias.uol.com.br/ultnot/2008/04/22/ult23u1981.jhtm). Entre outras questões apontadas por Lichtnow, padre Adelir não se interessava pelas aulas teóricas, "fundamentais para se compreender as questões meteorológicas", exatamente o que pode ter contribuído muito para esse desastre. Ao que tudo indica, esse aspecto foi simplesmente ignorado por ele.

Essa história toda me fez pensar sobre o significado de "aventura". A primeira tarefa para quem quer se aventurar, isto é, lançar-se em uma atividade que envolva riscos, na qual se vai participar pela primeira vez ou não, é pla-ne-ja-men-to. Planejar para quê? Para minimizar ao máximo os riscos envolvidos. Todas as possibilidades de não dar certo precisam ser consideradas e alternativas para resolvê-las precisam ser estudadas. Além disso, pesquisa e humildade fazem parte desse processo. Ouvir e valorizar pessoas mais experientes, ainda que não tenham feito aquela atividade específica, é fundamental. Veja o que o Lichtnow disse quando o padre lhe contou o que iria fazer: "(...) decolando dali [litoral] o único lugar que ele poderia pousar era na África do Sul, porque é para lá que os ventos levam. Mas ele disse que já havia estudado tudo e eu achei que era brincadeira". A análise apresentada pelo instrutor foi simplesmente ignorada.

Pessoas com mais vivência geralmente já passaram por perrengues, sofreram com a inexperiência, vêem o que não é visto pelo menos experiente e podem ajudar muito no delineamento de estratégias melhores e mais seguras. Aventurar-se não é deixar sua vida por um fio para que aquilo lhe traga a alcunha de "corajoso" e/ou atraia a atenção das pessoas e da mídia. É saber calcular criteriosamente todos os passos e considerar as possibilidades de forma que haja começo, meio e fim de forma bem-sucedida.

Ao escrever isso não quero dizer que tudo vá acontecer exatamente como planejado, mas é possível, em nível macro, se ter uma idéia do todo, calcular o que pode acontecer e como lidar com o que pode sair muito fora do esperado. Por exemplo, se alguém se propõe a voar (de parapente, asa-delta, balões etc.) é preciso, no mínimo, que consulte o que a meteorologia prevê e planeje de acordo, além de precisar contar com apoio de terra efetivo para o caso de alguma eventualidade. Acontecimentos inesperados e acidentes são possíveis, às vezes as pessoas morrem ou ficam fisicamente deficientes por causa deles, mas é incrível comprovar estatisticamente o quanto há de falha humana quando eles acontecem. Teimosia, falta de planejamento, de treinamento ou de preparo físico, uso de equipamentos impróprios ou desgastados, desconsideração com relação aos avisos da natureza etc. são muito comuns.

O que o padre Adelir fez não deve ser chamado de aventura, mas de irresponsabilidade que, infelizmente, pode ter lhe custado muito caro. A falha de planejamento para realizar seu sonho não deve ser seguida, ao mesmo tempo em que a vontade de nos aventurarmos não deve ser sufocada por seu exemplo negativo. O que aconteceu a ele nos convida para a necessidade de termos mais seriedade e responsabilidade na preparação das atividades de aventura que queremos realizar. É preciso haver comprometimento pessoal e conscientização de que, entre tantos outros aspectos, compartilhar o que se planeja e estar aberto para ouvir opiniões – às vezes contrárias até – pode fazer muita diferença para o sucesso ou fracasso de um projeto, principalmente quando se é inexperiente.

 
 
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Jornalista e aventureira
 
Nasci no interior de Goiás e cresci em Mato Grosso. Quando ganhei meu primeiro globo terrestre e vi onde 'eu estava', meu espírito viajante sentiu que não seria possível passar toda minha vida ali, com tanto por conhecer. Cresci sonhando em colocar os pés na estrada, correr mundo, conhecer outras culturas, interagir com o diferente, aprender. Fiz muitas viagens pelo Brasil – e continuo a fazê-las – e depois de deixar um emprego estável e seguro para viabilizar meu sonho, vivi por três anos (1995–1998) fora daqui. Conheci um pouco do México e do Peru, morei nos Estados Unidos (Virgínia e Flórida), mochilei por 11 países da Europa e morei por cinco meses na Tailândia, onde, entre tantas coisas, também mochilei da região de Bangcoc às fronteiras da Birmânia e pelo Laos. Sou apaixonada por viagens e atividades ao ar livre, principalmente mountain biking, trekking e canoagem, por fotografia de natureza e por compartilhar, por meio de textos e fotos, o que vivencio em minhas andanças. Se quiser me contatar, envie seu email para amanmorbeck@gmail.com.
 
 
 

1995 - 1998
Mochilão pela Europa
Mochilão pela Ásia
Mochilão nos Estados Unidos