Frequento regularmente a Pedra do Baú há pelo menos uns 20 anos, o que é praticamente o mesmo tempo que escalo.
A paixão foi tanta, que além de se tornar meu local de escalada preferido, o Baú virou também, literalmente, o quintal de casa.
Sempre que a gente frequenta regularmente um point de escalada, acaba tendo algumas vias prediletas. Tem aquelas que guarda pro fim da tarde, quando já se está cansado, outras que sempre são grandes desafios. Mas tem também a via mito.
Pois é, no Baú, a Chaminé dos Coroas sempre foi um mito pra mim. A gente ouve histórias, as proteções são uma incógnita, e sempre que busco informações, ninguém entrou na via; no máximo tem um conhecido de um amigo que já fez.
Bom, o nome Chaminé já não é dos mais convidativos, imediatamente me remete aos tempos de criança subindo pelo batente da porta. Aliado a isso as informações de proteções precárias mais a vegetação e humidade natural daquela caverna escura.
Isso sem falar no “dos Coroas”. Pô, porquê eu vou escalar uma via “dos coroas”?
Bom, como a idade chega pra todos, hoje eu estou tecnicamente a um passo “dos coroas” (40anos), então achei que já era hora de experimentar essa via histórica.
A Chaminé dos Coroas foi a primeira via de escalada do Baú, conquistada em 1940 pelos irmãos Cortez, e repeti-la além da aventura, significa seguir o caminho utilizado para chegar pela primeira vez ao cume deste monólito.
Eu e meu parceiro Marco Nalon, ele sim tecnicamente coroa, havíamos escalado a via Electra na face do norte da Ana Chata. Como não é sempre que estamos pra essas bandas do complexo e passaríamos de baixo da via no caminho de volta ao Bauzinho, resolvemos fazer enfim a Chaminé dos Coroas.
Pra quem vê o Baú da Ana Chata, a chaminé destaca-se claramente, cortando quase toda a extensão da pedra em diagonal, seguindo uma linha bem natural de vegetação, fenda, blocos encaixados, chaminé e mais mato próximo ao cume.
1º Enfiada (Vara-Mato)
Como o fluxo na via é baixíssimo, para não dizer nenhum, não há uma trilha evidente que leve à base da chaminé. Uma vez voltando da Ana Chata para o Baú, no momento que percebe-se que a trilha começará a contornar pela direita da pedra é hora de sair a esquerda e seguir sempre pelo topo da crista. Poucos metros a frente você começará a beirar uma grande parede rochosa a direita, seguindo por uma longa rampa de vegetação até a base da chaminé propriamente dita. Vamos considerar esse trecho como a “primeira enfiada” da via, uma digna “escalaminhada” de vara-mato.
A grande surpresa. A chaminé por si só é um cano de esgoto de todo sedimento, vegetação e água de chuva que vem lá de cima. Até aí tudo bem, estávamos preparados pro pior, mas o que não contávamos é com o tapete de dejetos dos milhares de pássaros que usam a chaminé como abrigo todas as noites. Sem exageros, essa foi a pior parte, o cheiro é realmente terrível!
2º Enfiada (Pedra Entalada)
Aclimatado com o “ar-rarefeito”, comecei a segunda enfiada, ou primeira efetivamente com a corda. A via estava bem molhada, com muito musgo, sujeira e ainda um pouco de água escorrendo pela parede, portanto fiz um artificial nas 3 cantoneiras velhas que estão lá, mais um camalot #1 muito bem colocado para auxiliar na progressão. O trecho não é difícil, muito provavelmente um 5 º em condições ideais (limpo e seco).
Depois deste ponto acessa-se um platô, de onde achei melhor parar para não criar muito atrito na corda e puxei o Marco pra cima. Não há proteções neste platô, mas dei segurança confortavelmente “entalado” atrás de uma pedra.
3º Enfiada (Chaminé)
Aqui começa realmente aquele entalamento típico de corpo, onde usa-se mãos, pés, joelhos, cox, e tudo o mais que se faz necessário para manter-se preso as paredes sujas e húmidas da chaminé. A primeira proteção está a uns 7 metros do chão, o que num primeiro momento parece um pouco distante, mas com jeitinho você chega lá e nada como aquele alívio de clipar a corda em alguma coisa!
Deste ponto em diante, eu optei por deixar o entalamento de lado e escalar de face, na parede positiva da esquerda. Dada a sujeira da via, esse trecho foi bem adrenante, praticamente sem proteções por mais uns 10 metros. Você verá diversos spits com cerca de 1 a 2 cm pra fora da rocha mas sem chapeleta. Não sei se foram tirados, roubados ou caíram, mas de fato não há proteção por vários metros. Se você não está com o psicológico em dia, é certeza uma boa adrenada!
Mais acima consegui proteger numa pequena fenda com dois Camalots #0,5 e #0,75 e mais alguns metros depois uma excelente colocação de um Camalot #2, para depois dominar mais um grande bloco e chegar a uma sólida árvore de onde consegue-se montar a base para chamar o segundo.
4º Enfiada (Vara-Mato e Escadinhas)
Depois de um rápido trecho de vara-mato, vc terá acesso as escadas de ferro bem antigas que levam ao cume. Mas antes passará por uma gruta onde encontra-se um pequeno altar e uma santinha.
Conclusão
A Chaminé do Coroas é uma escalada de aventura, muito mais ralação e empenho do que movimentos atléticos de escalada, mas quem sem dúvida vale muito pela experiência.
A via que está sob responsabilidade do CAP – Clube Alpino Paulista, já tem sua regrampeação programada ainda para esta temporada, o que sem dúvida a deixará muito mais segura e factível para os entusiastas de vias clássicas.
Leia aqui sobre a regrampeação da via.
BOX
• Via – Chaminé dos Coroas 5sup / E3 / 150m
• Conquista Original: 1940 – Antônio Teixeira de Souza e João Teixeira de Souza
• Grampeação Original: (aguardando informações)
• Quando escalar – Temporada seca, de Maio a Setembro.
• Equipamentos – 10 costuras longas, Camalots #0,5 ao #2
Boas escaladas,
Alê Silva |