Extremos
 
COLUNISTA AGNALDO GOMES
 
Cho Oyu, histórias de uma escalada
 
da redação, Agnaldo Gomes
1 de novembro de 2013 - 13:22
 

Escalando o Ice Cliff do Cho Oyu. Foto: Agnaldo Gomes
 
  Karina Oliani

Em uma escalada em alta montanha existem muitos fatores que podem determinar o sucesso ou não do que você se propõe a fazer, e este “sucesso” não é apenas chegar ao cume, voltar de uma expedição inteiro e feliz é um baita sucesso.

Quando decidi tentar escalar o Cho Oyu em 2010 queria realizar um sonho que mais do que chegar ao cume era somente estar perto de um destes gigantes com mais de 8000 metros.

Nossa expedição começou com um pequeno terremoto em Katmandu na noite antes de sairmos rumo ao Tibete, acordei assustado com a cama tremendo e as portas do guarda roupa batendo, confesso que terremotos não são minha especialidade e não sabia se me enfiava embaixo da cama ou saia gritando pelo corredor, mas não vou contar a minha escolha...

Levamos 11 dias entre sair de Katmandu e chegar ao campo base principal do Cho Oyu que devido a elevada altitude do base principal (5700 m) existem 2 campos antes, um a 5000 m. e outro a 5300 m. Durante este tempo também fomos parando nas cidades Tibetanas e fazendo caminhadas de aclimatação, a cada dia sempre indo um pouco mais alto.

O campo base do Cho Oyu é lindo, de frente para ele, com toda a rota de escalada na sua frente e ao mesmo tempo intimida e provoca aquela espontânea frase, ferrou ! (para não dizer outra palavra) No base temos uma série de facilidades como banho a cada 3 ou 4 dias, boa comida e uma temperatura amena por volta dos 10 graus negativos a noite, mas pela altitude qualquer atividade te deixa ofegante e te faz pensar se você está realmente preparado pelo que vem pela frente.

Depois de um dia de descanso e algumas caminhadas de aclimatação subimos em direção ao campo 1 a 6400 m, um caminho de 7 horas por uma moraina com muitas pedras soltas e para finalizar uma subida íngreme e escorregadia que muito lembra a canaleta do Aconcágua, xingar e duvidar da sua sanidade mental neste trecho é comum.

     
     

O Campo 1 é um dos lugares mais bonitos que já acampei, uma crista nevada com as barracas empoleiradas e o Cho Oyu de novo na sua frente. Cheguei cansado e graças ao Luí que ficou pacientemente derretendo neve tivemos água, nesta noite nem me atrevi a jantar pois a fome era inexistente, comi uns chocolatinhos e cama, ops, quer dizer saco de dormir. Na manhã seguinte enquanto nos preparávamos para subir até 6700 m para aclimatar melhor uma avalanche despencou fora da rota de escalada, mas mesmo assim deu aquela vontade de voltar para a segurança da barraca. Como estávamos no fim das monções ainda havia muita neve fresca na montanha e durante a noite seguinte escutei mais duas avalanches.

Depois de 2 dias dormindo a 6400 m voltamos ao base para descansar por alguns dias e nos preparar para a segunda subida de aclimatação que desta vez nos levou até 7200 m no campo 2.

Esta subida ao campo 2 me deixou apreensivo afinal era uma altitude em que eu nunca havia estado e no meio do caminho entre o campo 1 e o 2 temos a subida do Ice Cliff um dos trechos mais técnicos e íngremes da montanha e onde uns dias atrás havia ocorrido uma avalanche ferindo 2 sherpas. Não sei se por causa da adrenalina e com todos os meus sentidos em alerta a subida do Ice Cliff não foi tão dura quanto eu esperava, mas depois as 3 horas que ainda faltavam para chegar no campo 2 jesuiiis, como eu sofri, uma subida longa e interminável.

Acordei bem, com a maravilhosa vista deste campo, o cume do Cho Oyu parecia tão pertinho… Me equipei e sai para tirar algumas fotos, o clima estava ótimo. Mas mal sabia que o pior dia de todos estava por vir, logo que comecei a descida em direção ao campo 1, 800 metros lá embaixo, me senti exausto, mas pô na descida? é… foi a única vez que senti que podia fazer alguma besteira e me colocar em risco devido ao meu cansaço. Fui descendo trôpego, lentamente, tentando raciocinar o mais claramente que conseguia , até nas partes menos inclinadas eu sofria e ainda tinha pela frente a descida do Ice Cliff, 3 lances de rapel e eu naquele estado. Consegui descer sei lá como, mas dali em diante fiquei com sérias dúvidas se conseguiria chegar ao cume e principalmente descer em segurança, senti que a expedição podia estar acabando para mim. Meu estado de letargia era tão grande que lembro de ficar 30 minutos para conseguir tomar um gole d'água, 15 minutos pensando “tenho que me hidratar” ai consegui abrir a tampa do cantil, depois mais 15 minutos pensando “esta porra (na montanha usamos palavrões mesmo) tá aberta e vai derramar no saco de dormir” e só depois esticar o braço e tomar um gole.

No dia seguinte acordei melhor e descemos para o campo base, que apesar da altitude, que paraíso! Depois de um dia de descanso no base já estava recuperado e me sentindo bem melhor.

Mais alguns dias de descanso (nestes dias de descanso no base foram consumidos 4 livros, assisti 10 filmes e escutei um trilhão de músicas, boas e ruins) e lá estava de novo no caminho ao campo 1, só que desta vez era para ir ao cume...O plano era dormir uma noite em cada campo e tentar a subida final a partir do campo 3 a 7600 metros de altitude. Seriam 5 dias entre a subida e descida até voltar ao campo base e dá-lhe chocolate, durante estes 5 dias não consegui comer nada além disto, ainda não posso ver sonho de valsa na minha frente.

 

Campo 1 (6400m). Foto: Agnaldo Gomes
 

A subida foi boa, mas pensar na descida e no cansaço que havia sentido alguns dias atrás me deixava aflito. Tinha prometido para mim mesmo, antes mesmo da expedição, que só tentaria o cume se estivesse me sentido bem, que não arriscaria nada, mas como saber se travei na descida? E se chegasse no topo e na hora de dar meia volta ficasse estagnado? Isto estava mexendo com meu psicológico fortemente, aliás na próxima montanha além do treinamento físico vou fazer um treinamento mental com algum psicólogo, é incrível como este lado afeta a escalada, já tinha sentido isto em outras montanhas, mas no Cho Oyu foi drástico, é uma luta constante entre corpo e mente e as incertezas do que você tem pela frente.

Depois de uma boa subida saindo do campo 2 estava no campo 3, a 7600 m, nem podia acreditar, entrei na barraca e comecei a preparar as coisas, íamos acordar as 22h e sair a meia noite. Só depois de um tempo me toquei que já tínhamos oxigênio disponível para usar ali, dormiríamos com O2 a 1 litro por minuto dividido para mim e meu companheiro de barraca e na subida ao cume ia usar 3 litros por minuto o que dava uma autonomia de 10 horas, era isto, tinha 10 horas para ir ao cume e voltar para uma altitude segura.

"Em altitude é comum termos sonhos bem reais e nestas poucas horas de descanso eu tive um pouco usual. Sonhei que o grupo estava em volta de uma mesa com um mapa aberto discutindo a estratégia da escalada ao topo e o guia disse que devíamos seguir o Renato Russo montanha acima, sim, Renato o cantor do Legião Urbana, fiquei em pânico e comecei a argumentar que o cara tinha morrido, que não era uma boa ideia, e se não tinha pelo menos alguém vivo para irmos atrás. Lembro de ter acordado meio sufocando com a máscara do Oxigênio e pensado, vai dar merda… mas não deu, quando sai da barraca a meia noite, o Renato Russo não estava lá e respirei aliviado (força de expressão naquela altitude)."_ Agnaldo Gomes

Escalar com oxigênio suplementar te ajuda muito! Mas uma pergunta que eu sempre fazia para quem já havia passado por isto era “mas parece que você esta escalando em qual altitude, 5000, 6000, 7000 m ?” ninguém conseguiu me responder e eu agora também não sei a resposta. O que sei é que você continua cansado e andando a passos de cágado, que é mais lento que a tartaruga, não é colocar o O2 e sair saltitando, infelizmente.

Um pouco depois de começar a subida vejo surgir na minha frente um paredão de rocha, já sabia dele, era a Yellow Band uma parede vertical de rocha a quase 8000 metros que você tem que subir com o grampon numa escalada mista com gelo e rocha e sem muito apoio. O trecho é curto e a corda fixa ajuda mas para mim parecia que tinha muitos metros, bufei muito ali, tentava puxar o ar sem parar e fiquei com um medinho (apavorado mesmo) e a Lisete com sua experiência em escalada em rocha subiu quase saltitante este trecho.

Subindo no meio da noite tentava absorver o máximo o que aquela experiência estava me proporcionando, mas confesso que não absorvi muito, tudo passou muito rápido meio que um sonho que quando você acorda só consegue lembrar de algumas partes, acho que vou ter que repetir, hehehe.

Por volta das 5h40 cheguei no cume, ainda não havia amanhecido completamente e infelizmente uma névoa não me deixou ver o Everest e as montanhas próximas. Depois de 20 minutos comecei a descer, seriam 1800 metros até o campo 1 e depois de duas paradas nos campos 3 e 2, as 18h estava no campo 1, muito cansado, mas dono dos meus movimentos e aliviado por ter conseguido descer a salvo.

 

Lisete Florenzano e Agnaldo Gomes no C2 antes do ataque ao cume.
 

Como dizem, alpinista tem memória curta, os sofrimentos desaparecem de nossa mente num curto espaço de tempo e ai já está na hora de começar a sonhar com as próximas montanhas, algumas vezes na escalada eu pensava o quanto estava sofrendo e para me lembrar daquilo e não me meter a besta de novo, mas adivinha… já esqueci.

Gostaria de agradecer a companhia da Lisete Florenzano e do Luí, dois baitas parceiros que me ajudaram muito e demos muitas risadas neste tempo, choramos um pouco também é verdade, mas tudo o que é intenso tem suas alegrias e tristezas. Obrigado!

Gostaria de agradecer também ao alpinista Manoel Morgado pelas valiosas dicas e por ceder parte de seus equipos.

A Piton Adventure, marca de camisetas de aventura, a Pisa Trekking e ao site Extremos que foram parceiros nesta aventura.

Agora é seguir sonhando com as próximas montanhas.

Namastê!
Agnaldo Gomes

 
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