Escrever sobre a expedição à Tanzânia, é escrever sobre uma terra linda, acolhedora, hospitaleira e de uma diversidade de paisagens impressionante.
Depois da viagem ao Campo Base do Everest, tomei gosto por estar em terras distantes, com culturas bastante diferentes da minha e com possibilidade de conhecer os pontos mais altos daqueles continentes. Sem que eu tivesse programado, o projeto 7 Cumes começava a tomar forma e eu estava me apaixonando pelo ambiente da alta montanha e tudo o que o envolve, toda a logística, as noites mal dormidas, o silêncio das longas caminhadas introspectivas, onde cada passo nos leva mais próximo do nosso objetivo e do nosso sonho, a comunhão entre pessoas que têm os mesmos interesses nos acampamentos e lodges, as conversas divertidas entre os membros do grupo e a companhia carinhosa dos locais que nos ajudam com toda a parafernália que uma expedição dessas envolve.
Chegar ao outro lado do mundo sempre demanda muita paciência entre aeroportos, longos voos, trocas de aeronaves, escalas muito longas, mas minha viagem para a Tanzânia começou bastante emocionante.
O voo já saiu de São Paulo com 1h15 de atraso, o que me preocupou, pois, meu voo de Johannesburgo para Dar Es Salam tinha um intervalo de apenas 2h. Logo na saída pegamos uma turbulência de arrepiar, com muitos tremores, a sensação de queda no vazio e com direito a gritos dos passageiros. Não foi muito longa, mas foi bastante intensa. Fechei os olhos, respirei fundo e pensei: gritar não vai resolver o problema...então...respire...
Quando passou, olhei para o lado, ri e falei com o passageiro: Foi difícil, né? Merecemos uma bebida para relaxar. Pedi uma taça de vinho e ele um copo de whisky.
Depois de conversar, tomar vinho, comer, dormir, chegamos a Johannesburgo. Chegando lá eu tinha menos de 1 hora para fazer todos os trâmites, atravessar o aeroporto, etc. Para quem não conhece, o aeroporto de Johannesburgo é imenso.
Desci correndo do ônibus que nos deixou no terminal, subi uma escada rolante, atravessei um corredor imenso e cheguei a uma fila enorme para mostrar o passaporte e depois ainda teria que seguir para o acesso aos voos domésticos.
Havia apenas 2 atendentes para uma fila enorme de pessoas de todas as nacionalidades. Tive certeza que perderia o voo se ficasse ali. Chamei uma funcionária e mostrei a minha passagem. Ela me pediu calma, (ahã), faltando apenas 30 minutos para o embarque e disse que auxiliaria todos que tinham voo com prazo apertado.
Ela formou uma outra fila ao lado e foi agilizando os trâmites. Passei na frente de uma galera e saí correndo para o corredor que me levou a mais uma fila imensa para passar a bagagem no raio X. Eu já estava ficando desesperada, porque o monitor mostrava que meu voo estava fechado.
Mais uma vez falei com o funcionário do local, que também me pediu calma, e foi passando a galera que estava atrasada na frente. Passei as bagagens e peguei mais um caminho imenso que levava aos portões de embarque. Saí correndo e eram muitos portões, ao todo 30 e o meu era o 19. Corri muito, desci a escada rolante, cheguei ao portão e o funcionário dizendo para eu correr que eu estava atrasada.
Entrei num ônibus que me levaria ao avião, perguntei ao funcionário sobre as bagagens e ele disse que estavam no avião. Entrei no avião faltando 15 minutos para a decolagem.
Cheguei à Dar Es Salam, preenchi toda a papelada de imigração, numa confusão dos funcionários do aeroporto. Um deles me deixou passar pelo portão, o outro me mandou voltar e preencher os papéis. Depois outro pegou meu passaporte, papéis preenchidos, taxa de visto e levou para um balcão, sumiu atrás de uma porta e não me falou nada. Segui esse funcionário e fiquei aguardando numa fila que não era fila, era um amontoado de estrangeiros que estavam esperando o visto na frente de um balcão com 3 funcionários atrás de vidros. Tudo muito confuso, pouquíssimo organizado e meio um Deus nos acuda.
Depois de esperar que quase toda a população de chineses fosse chamada, chegou a minha vez, fiz todos os procedimentos e segui para pegar as bagagens na esteira. Que bagagens??
Aquelas que não foram embarcadas em Johannesburgo? Resultado: preencher mais papéis, descrever a mala, dizer o que tinha dentro e a funcionária me diz que as mesmas chegariam no mesmo dia, em Dar Es Salam, por volta das 19h.
Tudo ótimo se meu voo para o Kilimanjaro não saísse dali a 1h30. Ela me deu o formulário e disse então que as bagagens chegariam no dia seguinte, por volta das 07h30 no aeroporto de Kilimanjaro. Questionei se não poderiam me entregar no hotel e ela disse que não havia delivery. Teria que voltar no dia seguinte ao aeroporto para pegar as bagagens; se é que elas chegariam. A essa altura eu já tinha minhas dúvidas. Enfim, nada mais a ser feito, fui aguardar meu voo para o Kilimanjaro.
Cheguei bem e feliz ao aeroporto de Kilimanjaro, depois de um dia inteiro de viagem, 3 aviões, com direito a turbulência em dois deles e bagagens extraviadas.
O restante do grupo, formado por 11 pessoas, chegaria no dia seguinte. Com eles chegaram também as minhas bagagens. Ufa!!
Fizemos dois dias de passeios para conhecer a cidade de Arusha, que sinceramente não é muito bonita, mas tem coisas interessantes. Encontrei um masai, chamado Saitoti, que se dispôs a ser meu guia na cidade em troca de alguns xelins tanzanianos e rodei por lugares que sozinha não teria tido coragem de ir. Conheci até a periferia de Arusha, o bairro masai, o mercado municipal, etc. A essa altura já conhecia umas 5 frases em swahili, a língua nativa.
No dia seguinte começamos a trilha dentro de uma linda floresta equatorial, com muitas árvores, que nos pouparam do calor excessivo, já que foi um dia quente, com bastante sol.
É uma trilha bastante limpa, organizada, muito bonita e em meio a uma vegetação em profusão. No acampamento o jantar foi delicioso e fiquei bastante impressionada com o sabor e a qualidade.
No segundo dia de caminhada, a vegetação também é linda, no meio da floresta, com muitas samambaias, mas essa paisagem mudaria e aos poucos entramos no clima de savana, com vegetação baixa, capim, a árvore típica da Tanzânia (Senecio Kilimanjari), flores e muita pedra no caminho.
O clima estava ótimo, sem calor ou frio excessivos. No alojamento nos divertimos com os ratinhos andando pelo refeitório e que comiam as pipocas que caiam no chão. Confesso que os achei muito bonitinhos, pois pareciam uns pequenos esquilos, com as costas rajadas.
Depois do jantar sempre ficávamos conversando e essas conversas que rolam nos refeitórios, nas barracas ou lodges são um dos pontos altos que essas viagens nos dão: conhecer pessoas tão diferentes e interessantes, com olhares diversos sobre a vida e suas sutilezas...
Nessa mesma noite tivemos a visita de um ratinho que entrou na cabana à procura de comida. Ele era muito bonitinho, todo cinza, com o rabo peludo e parecia um gambazinho.
Até então as trilhas não tinham sido muito puxadas ou intensas, com paradas para hidratação e alimentação e todos seguindo bem e animados.
No dia seguinte, mais uma vez foi interessante perceber a diferença e a mudança da vegetação ao longo da trilha e entramos totalmente no que eles chamam de deserto alpino, com vegetação bastante baixa, as chamadas Everlasting Flowers, até que elas desapareceram e ficou somente areia e pedra.
Chegamos com chuva e neve ao acampamento Kibo Hut (4.700 m.) que seria o último antes do ataque ao cume. Tivemos subidas íngremes na saída do acampamento Horombo Hut (3.720 m.), mas depois a trilha toda foi bastante tranquila, com muitos trechos sem muita inclinação, a não ser na chegada a Kibo. Tivemos um desnível de 1.000 m., o que é muito e a altitude já mostra a dificuldade maior de respirar e a necessidade de diminuir a velocidade dos movimentos.
A ideia era apenas descansar e tentar dormir um pouco, antes da nossa saída para o cume, mas todos estavam ansiosos e excitados demais para isso, alguns com diarreia e outros com bastante dor de cabeça, eu entre eles.
Ficamos todos nos sacos de dormir, quietos, esperando a hora de levantar. Estava muito frio, o alojamento era gelado e em determinado momento começou a nevar pesado, o que deixa a paisagem linda, mas a ascensão muito mais difícil.
Antes da saída, usamos o banheiro, já que com o monte de roupa que usamos seria muito mais difícil fazer xixi ou qualquer outra coisa na trilha. Colocamos todos os itens de comida, como chocolates, barras de cereais, géis energéticos, dentro dos casacos de pluma, próximos ao corpo, pois teríamos que ter acesso rápido e para evitar o congelamento dos mesmos, já que a temperatura seria negativa. Não poderíamos usar nossos reservatórios de água que ficam dentro da mochila, pois a mangueira e o bico congelam, o que impede o uso. Por isso colocamos a água em squeezes dentro dos casacos.
Saímos do alojamento, fizemos um círculo, todos de mãos dadas, rezamos, meditamos sobre nosso objetivo e pedimos para que tudo corresse bem.
Começamos a ascensão à meia noite, e iniciamos todo o processo de subida com os passos curtos, um pé na frente do outro, o que sempre parece muito lento, mas extremamente necessário na montanha.
A subida foi em zigue zague o tempo todo, num terreno feito de pedras e areia, mas coberto pela neve que havia caído mais cedo. Todos estavam em fila indiana, com as lanternas de cabeça ligadas. Andar à noite é completamente diferente do que é andar durante o dia. Com o dia claro, podemos nos afastar, cada um anda no seu ritmo, podemos parar para tirar fotos, ir ao banheiro; mas tudo muda numa caminhada noturna. Como todos estão com a visibilidade limitada e só enxergamos o que o facho das nossas lanternas nos permite, temos que estar juntos, pois qualquer um que se afaste, pode se perder e por isso não pode haver grandes distâncias entre nós.
Os guias africanos foram nos seguindo ao lado da fila, passando por um e por outro para sentir como o grupo estava. Eles subiam e desciam e iam gritando uma espécie de hino e palavras de ordem para nos motivar, porque o cenário pode ser complicado: um grupo andando muito lentamente, um atrás do outro, sem enxergar nada além do facho da lanterna, com muito frio e muito esforço físico.
Em determinado momento começou a nevar pesado e tudo estava congelado. Tínhamos que morder as barras e chocolates com cuidado para não quebrar os dentes. Cada parada tinha que ser muito breve por causa da temperatura. Não podemos ficar muito tempo expostos ao frio, sem nos movimentar, pois a temperatura corporal cai muito rápido.
Continuávamos caminhando no completo breu, nos movendo como zumbis e subindo, subindo, subindo sem parar e vendo lá no alto, somente os pontinhos de luz das lanternas das outras expedições que haviam saído antes de nós. A neve continuava a cair e o frio era intenso.
Quando chegamos ao Gilman’s Point (5.681m.), que é um dos marcos da montanha, chorei de emoção e todos começaram a se abraçar e confraternizar, pois uma parte muito difícil já havia sido cumprida. Todos estavam bem, porém exaustos.
A imagem de lá de cima, foi uma das mais lindas já vistas. Estávamos muito alto e o dia começava a nascer, com o sol tingindo de laranja o horizonte e contrastando com o escuro da noite que ainda permanecia.
Desse ponto em diante a neve estava completamente fofa, e cada passo afundávamos um pouco. A visão era linda, mas estávamos todos esgotados pelo esforço feito até então.
Ao longo do trecho em neve, o dia foi clareando, tudo ficando branquinho e lindo, mas minhas energias começaram a se esvair novamente, a respiração foi ficando ofegante e eu só pensava em chegar e parar um pouco. O vento era muito frio.
Chegamos ao cume, Uhuru Peak (5.895m.), às 08h15, depois de 8 horas de um esforço físico enorme, com um vento muito forte, muito frio e a temperatura por volta dos 6 a 8 graus negativos. Todos se abraçaram emocionados e eu chorei novamente de emoção e de alegria por ter conseguido vencer esse desafio imenso. As imagens de cima do cume são inesquecíveis. Por todos os lados, aquele mundo branco, geleiras azuis, pedras despontando entre a neve, o sol iluminando essa imensidão branca e todos extremamente felizes e realizados, embora exaustos.
Descemos do cume por volta das 08h40, afinal como dizem, o cume é só a metade do caminho. Ainda tínhamos um bom chão pela frente.
A descida também foi difícil, longa e cansativa. Em determinado ponto tivemos que “esquiar” a terra e areia, pois não há como se firmar no terreno instável e fofo. Demoramos um bom tempo e chegamos de volta ao acampamento Kibo, às 11h15, exatamente 11 horas depois de termos iniciado todo o percurso. Apesar de cansativo, o que levamos 8 horas para subir, descemos em 2 horas.
Estávamos exaustos e ao chegar ao acampamento começamos a arrumar as coisas, pois teríamos apenas 1 hora de descanso para descer até o acampamento Horombo Hut. Já tínhamos ficado muito tempo em altitude e isso não é bom. Aos poucos todos foram chegando e por volta de 14h começamos a descer.
Chegamos a Horombo Hut por volta das 16h30, ensopados, pois choveu boa parte do caminho, cansados, mas agraciados por um belíssimo arco íris que “abraçava” o acampamento.
Após o jantar e as confraternizações, os africanos cantaram canções deles e nós, os brasileiros, arriscamos um Gonzaguinha (“Viver e não ter a vergonha de ser feliz...”).
Fomos dormir por volta das 21h, extenuados, mas completamente realizados e felizes. Fazer mais de 12 horas seguidas de muito esforço físico não é fácil e exige não só do corpo, mas também da mente.
Fiquei muito feliz porque todo o grupo, que é muito especial, cumpriu seu objetivo, todos chegaram ao cume. Uns sofreram mais, outros sentiram menos, mas todos foram guerreiros, determinados e vencedores. Muito bom fazer parte de um time com essa energia, essa garra e vontade.
No dia seguinte parte do grupo se dispersou na entrada do parque. Alguns foram para o safari e outros voltaram para Arusha.
Chegamos em Arusha por volta das 16h, bastante cansados, sujos e felizes. Depois de longos 6 dias, tomei um banho maravilhoso, lavei a cabeça, senti a água escorrer pelo corpo e o prazer de me sentir limpa. Fomos jantar num restaurante delicioso e muito bonito a poucas quadras do hotel para fechar nossa expedição africana.
Eu ainda teria 6 dias em terras africanas e tive o prazer de fazer safari em Tarangire, Ngorongoro e Lake Manyara. Depois de 3 dias de safari, peguei um avião para Zanzibar.
Cheguei ao hotel e a visão desse lugar mágico é de tirar o fôlego de qualquer um. A maré estava cheia e a água que chegava até a escada que descia do restaurante era de um verde esmeralda completamente transparente que não havia como não se encantar. O cenário parecia saído de algum filme, com barquinhos atracados no mar, ao leve sabor do vento, numa praia sem ondas, com águas transparentes e o horizonte abraçando esse cenário de sonhos.
Essas águas eram hipnotizantes. Cada hora que eu olhava, o mar parecia ter ganho uma tonalidade diferente, mais intensa e ainda mais linda. Cada barquinho que passava ou atracava, fazia a paisagem ainda mais estonteante. E eu ficava ali, vidrada em cada nuance, apertando freneticamente o botão da câmera, na esperança de captar toda a beleza que minhas retinas haviam gravado.
Esse lugar é muito lindo e o tempo passa preguiçoso por entre as nuvens, nos fazendo espectadores de sua beleza ímpar. Depois de 3 dias, me despedi do esplendoroso Oceano Índico e olhei muito aquele mar, até meu cérebro ficar pleno dessas memórias e imagens e não deixá-las partir nunca mais da minha alma.
Finalmente, o que dizer da Tanzânia? Numa mesma viagem eu subi ao ponto mais alto do continente africano, desci para suas savanas belíssimas e me encantei com a grandiosidade dos seus animais e fechei minha temporada em terras africanas, com a beleza estonteante do Oceano Índico e suas águas verde esmeraldas que nos hipnotizam.
Só tenho excelentes lembranças dessa terra linda, dura, um tanto inóspita, infelizmente muito pobre, mas com uma gente acolhedora, carinhosa e afetuosa. Jamais esquecerei o gosto de conquista ao chegar ao topo do Kilimanjaro e ver parte do mundo lá de cima, coberto por uma camada de gelo azul e branco.
Asante sana, Tanzânia, tupo pamoja milele (Muito obrigada, Tanzânia, estamos juntos para sempre).
Obrigada,
Sabrina Paschoal
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