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Cume - cratera do vulcão Cotopaxi.
Foto: André Dib |
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Foto 1 e 2 - Laguna Quilothoa e seus simpáticos moradores
Foto 3 - Avenida do Vulcões
Foto 4 - 4800m - Refúgio do Cotopaxi
Fotos: André Dib
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Foto 1 - Cume do Cotopaxi
Foto 2 - Vulcão Tungurahua
Foto 3 - Laguna de Quilotoa
Foto 4 - Sangay - O vulcão mais ativo do mundo
Fotos: André Dib
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No alto do vulcão a atmosfera era de contemplação. Após 6 horas de subida extenuante, madrugada adentro, alcançávamos o topo da montanha. A paisagem, dissimulada, escondia-se sob um grande tapete de nuvens, rompido apenas por pontas rochosas ou ameaçadores cumes nevados, rasgando as nuvens em direção ao céu. As pernas cansadas e a dor de cabeça, no entanto, não tiravam a sensação da conquista. A cratera se expunha como um grande buraco negro, expelindo uma lívida fumarola de enxofre, e o vento, impetuoso, nos trazia a sensação de liberdade.
Horas antes, precisamente à meia noite, acordamos e começamos arrumar as provisões para a ascensão do lendário Cotopaxi, que desde os primórdios, alimenta os mitos, ilustra e compõe a história do Equador. Checamos os grampons, piquetas, polainas de neve e as cadeirinhas de escalada, itens fundamentais para a ascensão em gelo. Encordados seguimos um a um montanha acima, sob uma névoa branca, hostil e ameaçadora. A umidade implacável, se transformava em cristais de gelo e acumulava-se na parte exposta do rosto e nos cílios, dificultando a visão naquela imensidão gelada. As lanternas frontais (de cabeça) iluminavam a rota e o silêncio era rompido pelo som continuo dos grampons e piquetas sulcando o gelo, que marcavam o ritmo do grupo numa repetição cadenciada e hipnótica. A subida nessa montanha deve ser iniciada nas primeiras horas da noite, pois a neve está mais firme, portanto em melhores condições para transpor gretas, além de mais compacta, evitando assim o desprendimento de placas e uma possível avalanche. Exaustos pela rampa interminável rompemos as nuvens, e a atmosfera brumosa deu espaço ao céu salpicado de estrelas. Os últimos 200 metros antes do cume foram vencidos em pouco mais de uma hora serpenteando em ziguezagues contínuos, quando o ar realmente faltava nos pulmões. O cume surgiu com o dia, ao amanhecer avistamos o tão almejado destino. O mal-estar causado pelo ar rarefeito naquelas alturas conflitava com a experiência efêmera, única e irreproduzível.
A cada ano, centenas de pessoas se arriscam em busca de aventura e da imensidão, propiciada pela vista do cume. Segundo Efrain, nosso guia, apenas cerca de 30 por cento, conclui a escalada. Apesar de não ser uma subida técnica, é raro uma temporada sem acidentes fatais, onde a força de vontade e um bom preparo físico são fundamentais para se atingir o objetivo final. A aparente placidez na imensidão branca, inerte, esculpida pelo vento, esconde traiçoeiras gretas que sem o conhecimento de um guia experiente e uso correto da corda, pode sorver uma pessoa para uma morte certa. Os edemas pulmonares e cerebrais são as principais causas de falecimento na montanha, causados pela altitude e potencializados pelas infindas ladeiras que compõem esse vulcão de formas perfeitas, com seus 5897m. Avalanches, apesar de raras, também já soterraram alguns montanhistas desprevenidos nessa rota.
O Equador é um pequeno país ao noroeste da América do Sul, espremido entre o Peru e a Colômbia e cortado pela mais extensa cadeia de montanhas do mundo, os Andes. Nessa região, porém a Cordilheira se divide em duas, denominadas de Cordilheira Oriental e Ocidental. Entremeadas por um longo vale e margeado por pequenos vilarejos indígenas, a região foi “batizada” pelo alemão Alexander Von Humboldt, no século XIX, de “Avenida dos Vulcões”. Expressão que define bem esse território salpicado de “gigantes” que se expõem soberanos e determinam a paisagem. A cordilheira dos Andes formada há milhares de anos pelas placas tectônicas permanece, ainda hoje, em constante movimento e, não muito raro, faz a terra tremer, como em Ambato, cidade margeada pela rodovia Pan-americana e que na década de 50 foi totalmente destruída por um terremoto. Nesse território, existe cerca de 30 montanhas de origem vulcânica e muitos desses vulcões, que ainda permanecem ativos, já causaram centenas de mortes ao longo dos tempos. As histórias são muitas: A cidade de Latacunga, já foi devastada duas vezes pela erupção do Cotopaxi. Em suas ruas repousam milhares de pedras lançadas pelo vulcão a cerca de 80 km de distância, algumas delas com mais de uma tonelada, testemunham a dimensão da tragédia. O Tungurahua explodiu no ano passado e matou alguns habitantes locais. Cerca de 5000 pessoas tiveram que deixar suas casas as pressas e muitos hectares de roça foram queimados pela lava. A cidade de Quito, capital do país, já esteve algumas vezes coberta por cinzas vulcânicas. Rodeada por picos intempestivos que expelem gases e vapores, como o Guagua Pichincha, a 20km do centro histórico da capital, já deixou em alerta os 3 milhões de habitantes que presenciaram uma gigantesca nuvem de fumaça, há cerca de dez anos. A população, porém, já se acostumou com a natureza instável e convive em harmonia nesse universo de humor inconstante.
Esses montes de natureza tórrida, que despejam turbilhões de magma, contribuem diretamente com a agricultura. São responsáveis pelo terreno extremamente fértil. Seus flancos são cobertos por plantações assimétricas e coloridas, que amenizam o insistente cinza do céu e compõem um mosaico vivo, como uma grande colcha de retalhos. O Equador é um país de prodigiosa natureza, composto, na sua maioria por mestiços e indígenas, descendentes direto dos Incas que presenciaram a ocupação espanhola. Relatam com orgulho a resistência do antigo império e do general Rumiñahui, que apesar de derrotado, lutou bravamente contra os espanhóis e conseguiu esconder todo o ouro almejado pelos conquistadores. Dizem que até hoje o tesouro não foi encontrado. Rumiñahui, que significa Cara-de-Pedra em Quéchua, hoje empresta o nome a outro vulcão perto da capital. No entanto, os sinais de alerta devem ser soados, pois a paisagem marcante começa a se modificar. Com o aquecimento global a beleza dos grandes nevados corre o risco de ser lembrada somente nos cartões postais, pois o recuo dos glaciares já é notável. Pedro, funcionário de um pequeno hotel perto do Parque Nacional Cotopaxi, conta que as geleiras do vulcão que deu nome ao parque, já recuou bastante e se lembra que há cerca de 20 anos atrás, caminhava na neve encontrada a 200 metros abaixo do refúgio da montanha, construção de pedra a 4800 metros de altitude que dá guarida aos montanhistas que se preparam para a ascensão ao cume, e que hoje só é possível atingir o campo de gelo após uma caminhada bem acima do abrigo.
Em meio a essa paisagem insólita, podemos ser agraciados com visuais surpreendentes como a laguna de Quilotoa, uma admirável cratera vulcânica, como uma grande vala rodeada por penhascos vertiginosos com um misterioso lago verde esmeralda no seu interior. Possui uma coloração tão viva e intensa que nos faz duvidar da sua real existência. É possível descer pelo abismo costeando o barranco, até atingir aquele oásis de cor irresistível. Para subir, no entanto é preciso de fôlego, pois os 400 metros de desnível abrupto, a uma altitude de 4200 metros não é tarefa das mais fáceis, porém é fundamental no processo de aclimatação, para aqueles que querem ascender outras montanhas como o Chimborazo e o Cotopaxi, respectivamente as montanhas mais altas do Equador. Aclimatação é o processo de adaptação que o corpo necessita para se ajustar, gradativamente, com a baixa pressão atmosférica e consequentemente, com o ar rarefeito.
A palavra Cotopaxi, herdada do antigo dialeto Inca vem da composição de duas palavras: “Coello de la Luna”, ou “Garganta da lua”, explica Efraim. Em uma época do ano a lua cheia nasce, vista de Quito, exatamente em cima do vulcão, justifica nosso audaz condutor. Os mitos, que nos leva a um passado remoto, ainda ecoam pelos vales que entremeiam esses gigantes. Desmedidos, imponentes, temidos e belos. Responsáveis por grandes tragédias os vulcões ainda instigam nossa imaginação e nos lançam em nossa perplexidade. Sua força excessiva e descomunal nos lembra o quanto somos pequenos diante da natureza.
Com as pernas castigadas após a subida, seguimos num jipe pela Pan-americana rumo a ao barulhento centro de Quito, sedentos por um bom banho quente. Ainda cansados avistávamos de um ângulo contemplativo os vulcões Cotopaxi, Cayambe e Antisana, que estavam parcialmente encobertos, compondo a cena da “Avenida dos Vulcões”. Imaginávamos, que se todos resolvessem explodir ao mesmo tempo o estrago que causaria, mas, estavam ali serenos, inertes e misteriosos. Como disse Guimarães Rosa: com “o silêncio das coisas nos seus lugares”.
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